São Paulo, domingo, 23 de outubro de 1994
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Doenças e remédios

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Um estudo recente mostra que, no início do próximo século, o cigarro matará 10 milhões de pessoas por ano no mundo inteiro. É um número espantoso. Equivale à morte de um Portugal por ano!
Paradoxalmente, uma boa parte dos fumantes é formada por médicos. Na Holanda, cerca de 50% dos médicos fumam; o mesmo ocorre na Polônia. Nos países em desenvolvimento esse percentual é ainda mais alto. Casa de ferreiro, espeto de pau...
A produção mundial de cigarros atinge a fantástica soma de 5,39 trilhões de unidade por ano –o que dá um consumo de 984 cigarros per capita. O consumo vem declinando. Entretanto, é preciso tomar cuidado com esses números. Eles encobrem importantes variações entre países. Nos Estados Unidos, o consumo caiu 15%, nos últimos dez anos. Mas, a produção aumentou 5% e as exportações mais de 200%!
Os americanos parecem ter decidido exportar as doenças do fumo para os países menos desenvolvidos. Exporta-se o cigarro na frente e os remédios atrás.
Esse é o quadro atual: a redução do consumo é muito mais rápida no Primeiro Mundo do que no Terceiro. Como explicar esse fato se o cigarro é caro e os ricos tem mais poder aquisitivo?
Os países avançados vêm investindo pesadamente em campanhas educativas e, paralelamente, intensificam medidas concretas de combate ao tabagismo. Vejam este exemplo: nos Estados Unidos há cerca de 300 mil ``fumantes secundários", em geral crianças, que sofrem de asma, bronquite e outras afecções respiratórias causadas por ``fumantes primários" que vivem ao seu redor. Na maioria dos Estados, hoje em dia, há legislação específica que penaliza os pais que causam tais doenças nos seus filhos. Isso é levado muito em conta nos casos de divórcio e custódia das crianças.
Ironicamente, o sucesso das vendas de cigarros nos países pobres é garantido por métodos de persuasão totalmente condenados nos países ricos como é o caso dos comerciais de TV que destacam o falso rigor dos jovens que fumam.
Embora eu seja contra a censura, penso que seria de bom senso evitar no Brasil a veiculação desses valores junto à população brasileira. Os estudos atuais demonstram que os prejuízos do fumo para a saúde vão muito além do que se pensava. Até pouco tempo dizia-se que fumar reduzia a expectativa de vida em cinco anos. As novas pesquisas revelam que a redução é de oito anos e atinge também, embora em menor escala, os ``fumantes secundários".
No Brasil, o esforço das campanhas educativas precisa ser completado com medidas coercitivas. É claro que cada um tem o direito de fazer o que bem entende. Mas, isso não pode interferir na saúde dos outros e nem tampouco destruir as finanças da nação. Ao contabilizarmos o que se gasta para curar, concluiremos que isso ultrapassa em muito aquilo que o tabagismo gera de empregos e impostos.
Este é um campo em que vale a pena imitar o que se faz nos países mais ricos no campo do combate ao fumo sem precisar chegar, entretanto, ao ponto de exportar doença para depois exportar remédios.

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