São Paulo, domingo, 23 de outubro de 1994
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O acordo de São Paulo

LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA

Imaginar que Mário Covas possa deixar de vencer o segundo turno das eleições para o governo do Estado é subestimar os eleitores paulistas. É não perceber que o Brasil e São Paulo mudaram. É não ver que o tempo em que se elegiam políticos puramente populistas e vazios faz parte do passado.
Está claro que o PSDB e todos os democratas de São Paulo não devem subestimar o adversário, mas estou seguro que Mário Covas não apenas vencerá as eleições, mas que o fará por ampla margem. As pesquisas indicam, para o segundo turno, uma vantagem de mais de 20 pontos porcentuais. Depois da campanha, entretanto, essa vantagem deverá aumentar ao invés de diminuir.
Em torno de Mário Covas deverá se formar um amplo acordo estadual. Um acordo que vai desde a esquerda, passando pela social-democracia e pelo nacional-desenvolvimentismo moderno, e completando-se com a liberal-democracia. Quem ficará fora dessa grande coalizão? Apenas a esquerda e a direita radicais, o quercismo e talvez o malufismo.
Entre essas forças, a única que merece atenção é a do malufismo. Embora seus candidatos em São Paulo tenham sido amplamente derrotados, a liderança pessoal de Paulo Maluf foi preservada. Ele representa hoje no Brasil uma direita estatizante e populista, mas uma direita consistente. Uma direita que tem uma curiosa afinidade com o quercismo, também estatizante e populista.
A diferença maior é a de que o malufismo foi anistiado da pecha de corrupção, enquanto que o quercismo, não. Além disso, o populismo de Maluf é de direita, baseado na ordem, e o estatismo tem origem nas práticas do regime militar, enquanto que o populismo e o estatismo de Orestes Quércia são de centro, desenvolvimentistas.
Depois da acachapante derrota de 3 de outubro, o quercismo tende a transformar-se em uma sombra do passado. O malufismo, porém, está vivo, e, se vier a dar seu apoio formal a Francisco Rossi, esta será a única força política organizada respeitável por trás de sua candidatura.
Está correto, portanto, o PSDB paulista, quando tenta obter também o apoio de Paulo Maluf, ou, pelo menos, evitar que esse apoio seja dado a Rossi. Caso, entretanto, isto ocorra, o quadro geral da campanha não mudará. A vitória de Mário Covas com ampla maioria continuará a ser o resultado mais provável.
Mário Covas representa para São Paulo a possibilidade concreta de sair de uma profunda crise, depois de oito anos de desastroso quercismo. Representa a oportunidade de, apoiado por Fernando Henrique, recolocar São Paulo na liderança do desenvolvimento do país.
Nestes oito anos o quercismo não apenas desmoralizou São Paulo. Além disso, quebrou seu tesouro, como a grande dívida pública e o maior ainda volume de atrasos de pagamento para com os empreiteiros demonstram. E, se não bastasse isso, quebrou também o Banespa, que só sobrevive porque está sendo socorrido pelo Banco Central.
Enquanto o Estado central, que havia sido levado à crise fiscal pelo endividamento externo dos anos 70 e pelo populismo dos dois primeiros anos do regime democrático (1985-86), passou a enfrentar o problema desde 1987, e hoje está em uma situação consideravelmente melhor, o Estado de São Paulo, cujas finanças foram saneadas no governo Montoro (1983-86), foi levado a uma situação financeira pré-falimentar nestes oito últimos anos.
Ao mesmo tempo, no campo social, um Estado falido e desmoralizado deixou que se deteriorassem seus sistemas de educação e de saúde. As tarefas que existem pela frente nesse campo são gigantescas.
Finalmente, a indústria paulista, voltada historicamente para a substituição de importações, teve muito mais dificuldade do que a indústria dos demais Estados de se voltar para as exportações. O Estado paulista não fez nada para ajudá-la a mudar de orientação. O resultado é uma contínua perda de peso de São Paulo e de sua indústria no cenário econômico nacional.
São Paulo continua a ser o Estado mais desenvolvido e poderoso da União, mas deixou de ser a locomotiva do país, deixou de ser o centro irradiador do progresso econômico nacional, em um momento em que o país precisa, mais do que nunca, retomar o desenvolvimento.
É nesse quadro que se travarão as eleições do próximo 15 de novembro em São Paulo. De um lado, um candidato sem a menor condição para enfrentar esses desafios. De outro, um dos mais notáveis homens públicos do Brasil.
Um homem de extraordinária experiência pública e administrativa. Um político que honra o país não apenas pela firmeza de seus princípios éticos, por sua inteligência, por seu preparo, mas também por uma característica fundamental dos verdadeiros homens públicos: saber, sempre, colocar o interesse público acima dos seus interesses pessoais.
Os pessimistas, entretanto, embora sabendo de tudo isto, sugerem que Covas não seria bom de voto. Que acaba perdendo eleições já ganhas. Ora, esse tipo de crença não faz o menor sentido. Covas já ganhou muitas eleições. Como não faz também sentido afirmar que nestas eleições ele tinha todas as possibilidades de ganhar no primeiro turno, dado o patamar mais elevado em que sua candidatura começou.
Suas intenções de voto diminuíram em relação ao início da campanha, mas isto não se deveu a erros que tenha cometido. Deveu-se, exclusivamente, ao fato de que, no início, ele era o único candidato conhecido. A campanha eleitoral deu aos demais candidatos essa oportunidade.
É falso, entretanto, que sua candidatura estivesse em queda. Para eles as intenções de voto já tinham se estabilizado no último mês. No último levantamento do Datafolha houve, inclusive, um aumento.
Rossi, entretanto, aumentou mais, especialmente depois que se tornou claro para os opositores de Covas –exceto os do PT– que a alternativa a Covas era Rossi e não Munhoz ou Medeiros, que, estes sim, se esvaziaram no final da campanha.
Agora, no segundo turno, os eleitores terão apenas Covas e Rossi para escolher. E terão oportunidade de comparar com clareza os dois candidatos. Uma clareza que no primeiro turno não foi possível, permitindo que Rossi, através de seu populismo místico, escondesse as terríveis limitações de sua candidatura.
Ora, nesta comparação veremos que os eleitores, apesar de todas as suas deficiências educacionais, são mais competentes do que se imagina. Isto já foi demonstrado nas eleições presidenciais. Fernando Henrique, que nada tem de populista, foi eleito com imensa maioria não apenas devido ao Plano Real, mas também porque suas qualidades pessoais, seu equilíbrio e sua capacidade de se sintonizar com as aspirações dominantes do país foram fatores estratégicos.
Mário Covas, apesar das diferenças de personalidade, tem a mesma visão do país, e qualidades pessoais muito semelhantes. Como Fernando Henrique, Mário Covas, reconhecendo as mudanças ocorridas no país e no mundo, fez também a transição do nacional-desenvolvimentismo para uma visão social-democrática e moderna.
Em 3 de outubro, com a eleição de Fernando Henrique para a Presidência da República, foi dado o passo fundamental do Brasil no sentido da modernidade com justiça social.
Em 15 de novembro, com a eleição de Mário Covas para o governo do Estado de São Paulo, apoiado por um grande acordo político da sociedade paulista, teremos o segundo e decisivo passo nesse sentido.

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