São Paulo, domingo, 23 de outubro de 1994
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Barrados no baile

ABRAM SZAJMAN

Após longa provação, decorrente em grande parte de medidas recessivas adotadas no passado para corrigir planos econômicos anteriores, as vendas no mercado interno brasileiro começaram a dar sinais de recuperação, com a estabilidade da moeda alcançada pela introdução do real.
As estatísticas não deixam margem a dúvidas.
Mas, o aumento da ordem de 14% no faturamento real do comércio nos últimos nove meses, em relação a igual período do ano passado, não configura, no jargão dos economistas, o perigo de uma ``bolha de consumo".
Significa, ao contrário, a primeira oportunidade concreta, desde o malogro do Plano Cruzado, em 86, de expansão do mercado com crescimento paralelo do nível de empregos e da atividade econômica em seu conjunto.
Também significa, se quisermos ver as coisas pelo prisma social, melhores perspectivas de vida para o assalariado, injustamente obrigado a conviver com mais mês no fim do salário e com um crediário proibitivo. Em outras palavras, milhões de brasileiros voltavam a ser consumidores de fato.
Mas, nesse exato instante, o governo edita o pacote de medidas apropriadamente batizado pela imprensa de ``anticonsumo", interditando parte da cidadania já em processo de resgate. Cassando o acesso, através de consórcios ou crediário, àqueles que acabavam de reconquistar o direito de poder adquirir, no Natal, o tão ansiado bem de consumo de maior valor unitário, cuja compra à vista só é possível para a minoria melhor aquinhoada da população.
Os argumentos das autoridades, infelizmente, não diferem dos mesmos usados em planos passados, quando as vendas cresceram: a oferta de produtos não acompanha a demanda; os preços vão subir e, com eles, as taxas de inflação; logo, é preciso reprimir a demanda. Ou seja, combater a inflação com recessão.
Mas, será este o único caminho? Não se pode combater a inflação com mais produção? Se o parque industrial brasileiro apresenta capacidade ociosa, não basta o governo utilizar mecanismos fiscais ou creditícios para o volume da produção aumentar ao nível da procura? E o que eventualmente venha a faltar, não pode ser suprido pelas importações, em boa hora facilitadas pelo próprio governo?
Lamentamos as medidas anticonsumo. Elas são paliativas, distorcem o livre jogo de mercado e retomam o caminho do artificialismo e do intervencionismo governamentais, que o Plano Real vinha sabendo evitar, exemplarmente.
Não é apenas o comércio que deixará de vender, ou o povo que não poderá comprar. É o país que perde mais uma excelente oportunidade de fazer as pazes com o crescimento, incorporando a seu mercado interno aqueles que não querem nem pode ficar, eternamente, barrados no baile do consumo.

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