São Paulo, domingo, 23 de outubro de 1994
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Médico manda?

HELOISA HELVECIA

Não existe mais ordem médica: é ``recomendação". O doutor não proíbe: ``desaconselha". E os médicos já não discutem eutanásia, e sim ``suicídio assistido". Por trás da linguagem politicamente correta há um esboço de nova relação entre médico e paciente, que limita o poder do primeiro e amplia os direitos do segundo. É outra ética médica, menos paternalista.
Paternalismo, no Aurélio: ``dissimulação do excesso de autoridade sob a forma de proteção". Nesse modelo, que ainda prevalece na saúde brasileira, o médico detém o conhecimento e sabe o que é bom para você. Já a nova linha reconhece o doente como dono do seu nariz (e do corpo todo) e dá ao médico o direito-dever de repartir seu saber para que o outro decida.
O paciente precisa se reeducar para a divisão de responsabilidades. E saber que pode: interromper um tratamento; se dar alta (desde que assuma riscos); pedir junta médica; ter acesso a opções de tratamento e custos. Já o médico não pode: guardar segredos sob qualquer pretexto; tomar decisões pelo paciente (desde que este seja considerado competente); marcar cirurgia de última hora sem OK do doente; usar idioma inacessível.
Cautela e caldo de galinha
A autonomia do doente é vista com cuidado pelos advogados. ``É uma visão não-sedimentada, envolvendo questões técnicas, que ainda devem ser discutidas exclusivamente por médicos", diz Maria da Penha Guimarães, da OAB. Claro que, quando há perigo de vida, o médico interfere e contraria quem for preciso. Mas fica a discussão. É só lembrar das seitas contrárias a transfusão de sangue para sentir como é relativo o respeito ao desejo do leigo. Indiscutível mesmo é o direito à informação, ferido diariamente com receitas-garranchos. Felizmente, médicos modernos já prescrevem usando computador e falando português.

Perguntar não ofende
É seu direito questionar o médico. Veja os exemplos. Esse diagnóstico pode estar errado? Quanto tempo vai demorar o tratamento? Quanto vai custar? Existe um tratamento alternativo a esse? Há outro remédio similar, para que eu possa optar? Quais são os efeitos colaterais? Quero informações completas sobre a minha doença. O que significa isso, escrito no resultado do meu exame? Pode haver alguma complicação durante o tratamento? Há riscos nesta cirurgia, mesmo remotos? O que pode acontecer, se eu não seguir o tratamento?

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