São Paulo, terça-feira, 25 de outubro de 1994
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A inflação é o ópio das elites

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Existe uma bobagem largamente difundida: se FHC vencer a guerra contra a inflação e mantiver o crescimento econômico, haverá necessariamente estabilidade política. Engano. Quando (e se) a inflação sair do topo da agenda, o Brasil vai, de fato, conhecer o Brasil, aguçando ainda mais suas tensões.
Basta citar uma espantosa informação oficial. Em 20 anos, ou seja, uma única geração, a população favelada na cidade pulou de 1,1% para 19,4%. Quase metade das famílias que moram em favela ganham quatro salários mínimos. É gente que, até pouquíssimo tempo, teria condições de viver numa casa decente.
Um dos males da inflação é desviar a atenção do que, de fato, deveria ser a prioridade dos governos e da sociedade: educação e saúde. A demanda social é gigantesca –e um dos seus melhores símbolos é a foto de um parto em cima de pia num hospital do Rio.
Impossível a convivência pacífica entre tão alta taxa de democracia e tão baixa taxa de cidadania.
A tarefa de reconstrução nacional é maior do que se imagina. O Rio de Janeiro é o melhor espelho do Brasil: milhões de crianças e jovens foram inoculados com o germe da marginalização e violência, formando bandos de degredados.
PS – Num texto enviado a Fernando Henrique, destinado a alimentar a reflexão sobre as linhas do novo governo, a antropóloga Alba Zaluar, uma das maiores especialistas brasileiras em violência urbana, relata um círculo vicioso.
``Calcula-se que 70% das mortes violentas em todo o Brasil atinjam adolescentes entre 15 a 17 anos, 50% dos quais seriam atribuídas à ação de grupos de extermínio, 40% a grupos de traficantes e 8,5% à polícia. O problema reside na dificuldade de separar essas três categorias e comprovar a autoria das mortes. Ora, policiais corruptos agem como grupos de extorsão que podem ser rotulados como grupos de extermínio."

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