São Paulo, domingo, 30 de outubro de 1994 |
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``Eu queria imprimir o mundo em mim"
DA REPORTAGEM LOCAL Manchas e rabiscos são uma marca registrada da obra pictórica de Michaux. A ponto de o próprio artista e escritor se perguntar se seus desenhos –alguns dos quais são reproduzidos nas páginas de ``Um Bárbaro na Ásia"– seriam simplesmente uma forma pobre, ``como quem toca guitarra com um único dedo".Jean Starobinski é um dos muitos teóricos a se lançar em defesa dessa obra: ``Olhar a pintura de Michaux é jogar meu corpo num turbilhão de movimentos imaginários. Passo a compreender melhor a íntima junção do interior e do exterior, do espaço intracorpóreo e da extensão externa". Tanto o texto como os desenhos e pinturas de Michaux são traçados nesse espaço perturbador onde o objetivo e o subjetivo se alimentam mutuamente, terminando por se revelar como uma coisa só. O texto e os desenhos são o registro da experiência subjetiva, e muitas vezes radicalizada, do eu do artista e escritor. ``A escrita e a pintura se tornam assim, em Michaux, experiências segundas, mas sem as quais a experiência primeira teria permanecido improdutiva", escreve Starobinski. Espaço interior e espaço exterior estão confundidos; um cria o outro. Se no início Michaux questionou a objetividade do mundo exterior foi para, numa fase posterior, defender a objetividade do seu mundo interior imaginário. ``Primeiro zombou da retina com `Plume', `Ecuador' e `Um Bárbaro na Ásia', onde fez as vezes do explorador do exterior. Depois começou a enfrentar o interior, com as drogas", disse o pintor surrealista Matta em 1966. O desenho e a pintura surgiram tarde na vida de Michaux; foi carregado pelas linhas. Assim como as primeiras viagens funcionavam para o escritor como uma forma de abandonar todos os laços culturais que emperravam o projeto de uma experiência radical do eu, a pintura também serve como um despojamento do espírito em relação às codificações da linguagem. A pintura é a radicalização do projeto artístico experimental de Michaux, quando a escrita começa a mostrar seus limites. ``Na pintura, o primitivo, o primordial é melhor alcançado. Passamos por menos intermediários e que não são realmente intermediários, já que não fazem parte de uma linguagem organizada, codificada e hierarquizada", escreveu o artista em ``Émergences-Résurgences". O desenho aparece como continuidade do processo de identificação entre o subjetivo e o objetivo. ``Reencontro alguns de meus problemas. Mais do que me exprimir ainda mais com o desenho, queria, eu acho, imprimir o mundo em mim. De uma outra forma, ainda mais forte", escreve Michaux. Texto Anterior: O turista ocidental Próximo Texto: Versos rarefeitos pintam azulejos poéticos Índice |
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