São Paulo, domingo, 30 de outubro de 1994
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Presidente enterrou socialismo ortodoxo

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Mitterrand foi o último dos ortodoxos do socialismo e também, anos depois, quem mais vigorosamente o enterrou como ortodoxia.
Ao se eleger, em 1981, pôs em prática uma política que mesclava um previdencialismo radicalizado e a ampliação da capacidade de intervenção econômica do Estado.
Aumentou salários e pensões, diminuiu o número de horas semanais de trabalho e operou nacionalizações que levaram conglomerados (Crédit Lyonnais, Rhône-Poulenc) a funcionarem como apêndices das políticas governamentais.
As estatais francesas não são necessariamente ineficientes num país que preserva a mística cidadã do serviço público.
Mas o presidente da República, no início de seu primeiro mandato, agiu de acordo com diretrizes doutrinárias.
Queria honestamente fazer da França uma vitrina que demonstrasse a viabilidade de uma receita oposta ao liberalismo de Ronald Reagan e Margaret Thatcher.
"Sigam o exemplo de nossos adversários da direita quando eles ocupavam as poltronas em que os senhores estão sentados. Defendam nossos interesses de classe".
A receita demonstrou logo sua debilidade. Com o crescimento do poder aquisitivo dos mais humildes, a economia francesa, em lugar de crescer, passou a consumir uma quantidade maior de bens produzidos por parceiros da França da Comunidade Européia.
A França socialista não era capaz de manter a coerência de seus propósitos frente aos parceiros que nadavam em sentido contrário.
O período ficou marcado, mesmo assim, por uma generosidade governamental que bateu na tecla dos direitos humanos em sua política externa, extinguiu a guilhotina de seu Código Penal e reduziu desigualdades entre ricos e pobres.
A derrota dos socialistas em 1986 e a entrega do governo para a direita, nos dois anos seguintes, forçou o refluxo das nacionalizações e a adoção de uma política monetária mais rígida.
Os socialistas reconquistaram a maioria da Assembléia em 1988. Mitterrand se tornou um presidente menos dogmático. Sua ênfase obsessiva é passar para a história. Com grandes obras (como o Louvre), embeleza ainda mais Paris e estimula iniciativas culturais.
É o "tonton" (titio), seu apelido carinhoso, que presidiu em 1989 as cerimônias de bicentenário da Revolução Francesa. Quer tornar-se, também, um dos arquitetos da nova Europa. Com a reunificação alemã e a impossibilidade de voltar a rivalizar com a potência vizinha, empenha-se no sucesso do Tratado de Maastricht.
Nos últimos dois anos, tem pouco a provar para si mesmo ou para os franceses junto aos quais sua popularidade está em queda.

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