São Paulo, domingo, 30 de outubro de 1994
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Imigrantes `invadem' nova África do Sul

FERNANDO ROSSETTI
DE JOHANNESBURGO

A imigração ilegal de africanos para a África do Sul está se tornando um dos principais problemas enfrentados pela novo governo multirracial do país.
O ministro do Interior, Mangosuthu Buthelezi, calcula que haja de 2 milhões a 4 milhões de ilegais na África do Sul. Isso em uma população de 40 milhões.
O fim do apartheid (regime de segregação racial) foi visto pelos africanos de outros países como possibilidade de obter empregos na região mais desenvolvida do centro-sul do continente.
O crescimento na imigração ilegal foi de 34% este ano, calcula a polícia, a partir do número de pessoas presas na fronteira: de 100 a 150 ao dia.
Esse aumento se soma a um fluxo constante de imigrantes ilegais na década passada, que fugiam das guerras civis que atingiam os países vizinhos à África do Sul.
Só Moçambique recebeu de volta este ano 200 mil imigrantes. A maioria entrou na África do Sul pulando uma cerca eletrificada de 134,5 quilômetros na fronteira com o Zimbábue.
"É como uma cobra de sete cabeças", diz o tenente-coronel John Andrews, cuja companhia guarda as fronteiras do norte. "Você corta uma cabeça e outras seis aparecem. A questão nunca será superada enquanto problemas socioeconômicos não forem resolvidos."
No início do mês, Samson Bigambira, 14, foi preso com outros dez garotos pela companhia de Andrews, após andar os 6.000 km que separam sua devastada Ruanda da África do Sul.
"Não dava para ficar nos campos do Zaire. Na Zâmbia não foi melhor. Depois passamos pelo Zimbábue e decidimos vir para a África do Sul", disse Bigambira, que perdeu toda a família em Ruanda.
O destino da maioria desses imigrantes ilegais é Johannesburgo, principalmente o bairro negro de Soweto. Mas eles estão se espalhando pelo país, trabalhando muitas vezes só por comida e abrigo.
Segundo pesquisa do Instituto Sul-Africano de Relações Raciais, há constantemente cerca de 3.000 imigrantes ilegais nas prisões de Witwartersrand (região de Johannesburgo e Pretória) aguardando repatriamento. De 200 a 300 são repatriados por semana.
Esses dados, veiculados pela imprensa, estão gerando xenofobia entre os sul-africanos. Muitos culpam os imigrantes ilegais pela falta de empregos e pelos baixos salários, já que os ilegais aceitam trabalho em qualquer condição.
Em julho, por exemplo, 300 membros do Conselho Africano de Camelôs fizeram uma marcha no centro de Johannesburgo, para exigir o imediato repatriamento dos ilegais e uma nova legislação de imigração.
Segundo a polícia, os moçambicanos que buscam o país são alguns dos maiores fornecedores de armas e drogas da África do Sul.
Muitos dos moçambicanos fugiram do exército da Renamo –que sequestrava crianças para treiná-las como soldados. Eles entram na África do Sul com seus rifles AK-47, a arma mais usada em assaltos. Mais de 700 armas foram apreendidas na fronteira com Moçambique só no ano passado.
A pesquisa do Instituto de Estudos Raciais afirma que "não é clara a extensão em que os estrangeiros estão envolvidos no tráfico de drogas".
A política da África do Sul até agora foi não repatriar imigrantes de países em guerra. Mas, diante da pressão social que está surgindo, Buthelezi diz que vai reestudar a questão.

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