São Paulo, domingo, 30 de outubro de 1994
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IRA atua como polícia paralela em Belfast

ROGÉRIO SIMÕES
ENVIADO ESPECIAL A BELFAST

Depois do cessar-fogo anunciado em 31 de agosto, o separatista IRA (Exército Republicano Irlandês) paralisou as atividades bélicas mas intensificou as punições contra a própria comunidade católica.
Grupos armados com barras de ferro atacam principalmente jovens, que, segundo o IRA, apresentam mau comportamento.
Muitas vezes retiradas das próprias casas, as vítimas têm as pernas ou braços quebrados. O grupo separatista não admite nem nega oficialmente a autoria dos ataques.
As ações dos grupos aumentaram nas últimas semanas, principalmente na zona oeste de Belfast, Irlanda do Norte (ou Ulster). Segundo moradores, os agressores são membros do IRA que perderam função depois do anúncio do cessar-fogo.
O jovem Gavin Smyth, 16, é um exemplo do tipo de punição estabelecida na região. Em setembro, ele teve as duas pernas quebradas com barras de ferro e foi forçado a rolar no chão três vezes para agravar os ferimentos.
Na última quinta-feira, um rapaz de 21 anos foi espancado em sua casa, em Cookstown e, segundo um padre que lhe deu assistência, os agressores disseram que ele deveria sair da Irlanda do Norte no prazo de 24 horas.
Desde o cessar-fogo, já ocorreram pelo menos dez punições. O IRA tem agido como uma polícia paralela. Geralmente, as vítimas são agredidas por terem cometido pequenos furtos.
Esse papel é favorecido pela falta de confiança na RUC (Polícia Real do Ulster) por parte dos católicos, que vêem nos grupos a melhor forma de combater o crime.
Antes do cessar-fogo, o IRA costumava atirar nos joelhos das vítimas, prática registrada 55 vezes neste ano. Mas desde a assinatura do cessar-fogo, ela foi substituída pelas agressões.
A ação do IRA representa um dos maiores constrangimentos para o Sinn Fein, braço político do grupo, já aceito pelo governo britânico como parte integrante nas negociações sobre o futuro da região.
Tom Hartley, vice-presidente do Sinn Fein, diz que a causa do problema está na polícia, que não estaria cumprindo seu papel de proteger a comunidade católica.
"Obviamente, o IRA não é uma organização policial", afirma. "Mas nós precisamos de uma polícia que sirva a todas as pessoas na comunidade".
``Entre os pontos das negociações estará o futuro da RUC", diz o vereador de Belfast Joe Austin, que pertence ao Sinn Fein.
Os protestantes utilizam as punições como argumento contra os nacionalistas católicos.
"Não existe cessar-fogo", diz Arthur Noble, porta-voz do DUP (Partido Democrático Unionista). "Com as atrocidades que eles cometem contra sua própria comunidade, pode-se chamar isso de cessar-fogo?"
Mas já há denúncias contra paramilitares protestantes, que, no final da semana, teriam espancado dois homens e incendiado um carro, no leste de Belfast.

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