São Paulo, segunda-feira, 31 de outubro de 1994
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Bienal da Propaganda

FRANCESC PETIT

Seria extremamente útil que os publicitários, gerentes de propaganda e diretores de marketing, dessem um pulinho na nossa Bienal, há muitos anos o maior evento artístico que se realiza no Brasil. Esta visita, que poderá ter caráter sóciocultural, poderá esclarecer muitas dúvidas que pairam no ar a respeito do diálogo do que é propaganda metida a moderna ou propaganda efetivamente moderna.
Apesar dessa Bienal não apresentar nenhuma novidade, também não brilha pela representatividade de grandes nomes, assim ela não consegue atingir o clima mágico das grandes exposições de arte. É uma Bienal prosaica e burocrática – aliás, em matéria de exposição, prefiro cem vezes o Salão do Automóvel, lá tem muito mais criatividade e arte do que no pavilhão do Ibirapuera.
Onde a Bienal de São Paulo se encontra com a publicidade e na esquina das instalações, esses horrendos artefatos me lembram muito os tão famosos anúncios moderninhos que os publicitários ``babam" nas páginas da revista Archive, que deve receber uma forte influência da Documenta de Kassel, na Alemanha. Esses anúncios e comerciais sem pés nem cabeça, iguais às instalações da Bienal, que nem mesmo nada têm de modernas, pois o Joseph Beuys já fazia isto, só que direito, há 40 anos atrás. Se olharem com atenção cada uma das instalações, encontrarão uma relação direta ao caos criativo da chamada ``propaganda jovem", ou ``moderna". A grosseria e a tônica desse estilo de arte, ao contrário do que se espera de uma obra que deve ser a expressão do refinamento artístico e intelectual. Na Bienal vale tudo: tijolos, livros velhos, ferros retorcidos, panos rasgados e muito lixo.
Oras, o Kurt Schwitters lá pelos anos 30 fez, na sua casa, uma escultura de lixo até chegar no teto, furou o primeiro andar e continuou o seu trabalho de catar lixo na rua e continuar a sua obra, até chegar ao telhado. Como era impossível deter o seu ímpeto artístico, ele furou o telhado e continuou... Este grande artista dadaísta, é um dos meus prediletos. Isto é que era moderno, luta pelo novo, pela investigação. É, sem dúvida, um mestre de tipografia moderna e da estrutura gráfica da propaganda européia.
Os instaladores da Bienal não arranjariam emprego, nem de encanadores, muito menos de pedreiros ou serralheiros, porque nem mesmo o ofício eles aprenderam.
Mas isto não é culpa dos ``artistas", são os curadores desavisados e desconhecedores da real função da arte, que ficam inventando moda daquilo que nada entendem, parecidos com muitos diretores de criação na propaganda que, na procura de novas idéias dentro de cabeças com poucas idéias, encontra no caos e no amadorismo uma linguagem enganadora de algo que, para os olhos pouco conhecedores da matéria, parece moderno, talvez por ser sujo, borrado, fora de foco, gritado, riscado, sem nexo, sem texto, sem ritmo, sem história, sem idéia, sem conceito, sem objetivo... isto é vendido como ``moderno", assim como os curadores venderam para a direção da Bienal todo o terremoto artístico das instalações.
Nem mesmo a presença do maravilhoso pintor Torres Garcia, nascido no Uruguai de pai catalão, passou boa parte da sua vida pintando em Barcelona, extremamente sensível de estilo novecentista clássico, rompeu com essa tendência influenciado pelo novo conceito denominado ``Universalismo Construtivo".
A minha predileção são as suas estações de trem, pequenos quadrinhos com uma pintura singela. É um pintor importante mas, jamais fantástico. Certamente, se fosse publicitário, faria campanhas como as dos calçados ``Timberland", tudo no seu lugar, uma criação sólida e profunda, colorindo suas fotos sobre as terras ``marrom" e os comerciais suaves usando trilhas de Debussy...
O mestre russo Kasimir Malévitch tem um pouco mais de magnitude, tão somente pelos seus temas mais sociais e mais políticos. Ele seria ideal para diretor de criação de uma agência que pretende agredir o consumidor com assuntos polêmicos, talvez cuidando de contas como jeans, fast food, refrigerantes, etc.
Não estranhem se descobrirem que muitos dos grandes artistas do século XX, um dia, foram publicitários, mas nenhum deles está nesta Bienal, já estiveram nas grandes Bienais do tempo em que eram dirigidas pelo seu fundador Ciccilo Matarazzo.
Mas, uma coisa reconheço, assim como fazem os publicitários que se apelidam de jovens, o ponto alto da Bienal foi a badalação social.

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