São Paulo, quinta-feira, 3 de novembro de 1994
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Meteora e a telefonia celular

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE

Meteora é ainda hoje um mistério antropológico. O que se sabe ao certo é que ermitões, monges, já no século 11, buscavam refúgio nestes blocos cilíndricos monumentais de pedra bruta.
Do ponto de vista puramente geológico já é um enigma. Para alguns o escultor teria sido o vento, indomável e obstinado, para outros o mar implacável que há milhões de anos teria habitado a região. Ou talvez uma imensa cauda e formada pelas fugas das águas de um lago extinto. Teorias abundam. Os monolitos cilindricamente gigantescos com centenas de metros de altura, um milhar, dizem, plantados na fértil e bela planície de Tessália.
No topo, dependurado no espaço, como diz seu nome, Meteora, estão cerca de 40 mosteiros. Até muito recentemente, três ou quatro décadas, a maioria deles era inexpugnável.
Daí surgiu a interpretação modernista de que os monges lá se isolavam, naquelas alturas, para resguardar seus tesouros de ataques de piratas. Essa era a interpretação corrente. Mas apresenta uma dificuldade.
Quando o sítio foi escolhido para os respectivos mosteiros, ainda não havia riqueza. Somente mais tarde, a generosidade do rico campesino da Tessália aos poucos acumulou os pequenos tesouros que hoje se encontram nos mosteiros.
É portanto mais provável que os monges apenas quizessem se distanciar dos homens e buscar nas alturas se aproximar de Deus que, aparentemente, habita os céus.
Mas a fórmula é correta. A primeira hipótese deve ser sempre o dinheiro. Consideremos um outro caso que também envolve o espaço. O da telefonia celular.
Nos EUA a renda média proporcionada por um telefone desta espécie é de US$ 65,00 enquanto no Brasil é de US$ 110,00. Em um mercado altamente concorrente como nos EUA a margem é sempre pequena, digamos 10% a 20% do faturamento.
Assim, a menos que a eficiência do sistema nacional seja muito inferior à norte-americana, o lucro atingível no Brasil aos preços atuais é pelo menos uma dezena de vezes maior que aquele dos EUA. Não é pois para ficar mais perto de Deus que tanta gente, no Brasil, está se acotovelando para entrar neste campo empresarial.
Mas vejamos como que estes novos mosteiros da tecnologia moderna se alojaram. No mundo todo quando despontou essa nova e promissora oportunidade, dividiu-se o espectro (ou banda) magnético atribuído à telefonia celular em dois segmentos.
O primeiro seria privilégio da empresa operadora do sistema regular de telefonia fosse ela privada ou estatal. Para estimular a competição o segundo segmento foi atribuído a uma ou mais empresas que operariam a telefonia celular que é obviamente acoplada ao sistema geral de telefonia.
O primeiro segmento da parcela do espectro eletromagnético dedicado à telefonia celular chamou-se banda A e ao segundo banda B. A banda B é geralmente ocupada pela iniciativa privada.
No Brasil formaram-se interessantes consórcios. Uma empresa privada do setor de equipamentos de telecomunicações, uma empreiteira, uma empresa de comunicações, um banco e pronto. O Brasil foi dividido em áreas, cada área teria a operadora do sistema Telebrás operando a banda A e um dos consórcios multicolorido operando a banda B. E todo rico ia ficar um pouquinho mais rico e mais perto de Deus.
Mas a Constituição contém uma cláusula que atribui uma absoluta reserva de mercado para o Estado no setor de telecomunicações mesmo que o Estado não queira.
Todavia, uma espécie de acordo de cavalheiros entre governo e setor privado tem impedido a invasão da banda B pelas companhias estatais. Mas eis que surge uma oportunidade irrecusável.
São Paulo, justamente o mercado mais suculento, está saturado. E a Telebrás que pouco se incomoda com a escassês de linhas telefônicas regulares para o cidadão comum que é obrigado a esperar dois, três às vezes cinco anos, está condoída com esses executivos sofredores que não podem dar ordens à secretária da mesa do restaurante.
Assim condoída, a contragosto, vai a Telebrás ordenar à Telesp que invada a banda B. Provisoriamente, é claro, diz ela. Mas já há tecnologia disponível de digitação que permite ampliar a capacidade da banda A para uma densidade de mensagem capaz de atender a demandada projetada para 2010, sem penetrar a banda B. E é até possível que até lá a Constituição já tenha sido revista.
O que é difícil de acreditar é que uma vez instalada na suculenta banda B de São Paulo, feitos os investimentos, estruturado o sistema, venha a Telesp a se retirar prazeirosamente, sem espernear, sem estrebuchar.
É o mesmo que pedir aos monges de Meteora que lá se instalaram por razões espirituais, para ficar próximos de Deus, para se despojarem de todo aquele ouro e todo aquele rubi e diamante com que, a contragosto, por certo, se cobriram no correr de meia dúzia de séculos. Eles não queriam tal tesouro, mas agora já se acostumaram.

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