São Paulo, quinta-feira, 3 de novembro de 1994
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Quadrilhas motorizadas

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Escrevia para hoje coluna sobre bastidores da operação militar no Rio –o "PS" iria para Ciro Gomes e seu ataque contra a Fiesp. Mudei de idéia: fui fisgado por uma lembrança que me levou a refletir sobre outro tipo de violência.
Nos meus primeiros dias de estágio de jornalismo, ainda engatinhando na profissão, fui designado para produzir uma reportagem sobre Finados. Um dos chefes mostrou logo a insignificância de minha tarefa, ao sugerir, em tom de brincadeira, que pegasse a matéria de qualquer ano e apenas trocasse a data.
A história me veio à lembrança porque, ontem, em Brasília, vi um fato novo capaz de se diferenciar nesses repetitivos Finados. Vários quilômetros de canteiros que dividem ruas e avenidas da cidade amanheceram repletos de cruzes de madeira. Era um protesto contra as mortes violentas no trânsito, preparado por famílias irremediavelmente entristecidas.
A imensa maioria dos brasileiros não sabe que os acidentes de trânsito são a principal causa de morte das crianças e jovens brasileiros, segundo o mais recente relatório sobre violência do Ministério do Bem-Estar Social.
Entre adultos e crianças, morrem por ano 27 mil cidadãos, a maioria deles atropelados. Centenas de milhares machucam-se; outros tornam-se paralíticos. Os traficantes, vamos reconhecer, não carregam tantas cruzes nas costas.
Esses números fazem parte da mesma lógica nacional, fonte nutriente do crime organizado –a lógica da impunidade. Há um fato especialmente irritante em todo esse massacre diário no trânsito, onde as quadrilhas são motorizadas e, na maioria das vezes, impunes. Dá para reduzir rapidamente o tamanho da tragédia.
Coloquemos esses homicidas ambulantes (e, se possível, junto com os traficantes) na cadeia e se verá como nosso trânsito vai logo ficar mais civilizado.
PS – Aqui em Brasília existe uma notável experiência educacional. Juízes enviaram adolescentes presos pela polícia por fazer "rachas" para trabalhar no Hospital Sarah Kubitschek com acidentados. Os depoimentos foram gravados depois da experiência: nenhum deles saiu igual.

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