São Paulo, quinta-feira, 3 de novembro de 1994
Próximo Texto | Índice

'Lua-de-mel'com novo regime durou pouco

FERNANDO ROSSETTI

Foi rápida a "lua-de-mel" da África do Sul com seu novo regime político, iniciado com as eleições de abril. Como um casal recém-unido, o país descobre a cada dia mais problemas na parceria que está apenas começando.
Foram feitas muitas promessas durante a campanha eleitoral –menos pelos que hoje dominam o Executivo, como Nelson Mandela, do que pelos que aspiravam a um cargo no Legislativo.
Promessas que são só atingíveis a longo prazo: mais empregos, melhor educação, moradia, segurança e respeito entre as etnias.
Muitos se sentem ludibriados ao perceberem que nada mudou objetivamente por enquanto e que as melhorias socioeconômicas ainda estão distantes.
O apartheid deixou um legado difícil de ser superado: os sul-africanos não se sentem sul-africanos. Eles se definem como bôeres, ingleses, xhosa, zulu, hindus etc.
Mandela é o contraponto a esse sentimento não-nacional. É uma das poucas unanimidades.
A maioria dos jornais do país já escreveu editoriais pedindo que o presidente cuide de sua saúde e diminua seu ritmo de trabalho, que começa às 4h com uma caminhada de uma hora, segue com um café da manhã-reunião e vai até a noite.
É ele que dá o tom da nova África do Sul: a cada crise, vai em pessoa ao encontro das partes em litígio e age como juiz que mostra a cada um as razões do outro.
Foi assim há duas semanas, quando os ex-soldados do CNA (Congresso Nacional Africano) se recusavam a voltar às Forças de Defesa Sul-Africanas por se sentirem discriminados no processo de união dos vários exércitos que lutaram no país durante os anos 80.
Há um crescimento visível no turismo, mas os serviços não estão preparados para isso.
Novos restaurantes abrem a cada esquina de Johannesburgo, mas os negros que estão sendo contratados nunca comeram em um restaurante e poucos dos proprietários brancos se dão ao trabalho de ensinar as técnicas de bem servir.
O resultado chega a ser desastroso, como um garçom retirando o prato da mesa antes de o cliente ter terminado de comer. Muitos mal falam inglês.
Mas o país entrou definitivamente no circuito mundial. Praticamente todos os grupos musicais de relevância ou já vieram ou têm excursões planejadas ao país.
O encontro dessas várias "nações" cria uma espécie de paradoxo: a criminalidade aumentou a níveis incontroláveis, mas há também a percepção de que "os sul-africanos precisam se conhecer melhor", como disse um estudante durante um megaconcerto que reuniu, no último dia 22, 60 mil pessoas ao som de Sting e Midnight Oil, entre outros.

Próximo Texto: 'Consolidar democracia é desafio urgente'
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.