São Paulo, sexta-feira, 4 de novembro de 1994
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BC eleva juros porque alta de preços se alastra

JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo elevou os juros porque existe uma pressão generalizada por aumento de preços. "O juro não é civilizado porque a nossa inflação não é civilizada", diz o diretor de Política Monetária do Banco Central (BC), Alkimar Moura.
Para ele, as medidas adotadas pelo governo têm um horizonte mais longo. "As inflações de novembro e dezembro já estão dadas. Nós estamos operando de olho em janeiro."
No mercado financeiro já se estima uma taxa para novembro entre 2,5% e 3%, dependendo do índice. Mas há muita divergência sobre o comportamento dos índices em dezembro.
A avaliação do que está ocorrendo na economia, e que sustenta as medidas adotadas pelo governo, é que, segundo o diretor do BC, "além do problema da seca e da sazonalidade, os preços também estão sofrendo uma pressão de demanda".
Alkimar diz que esta pressão se manifesta nitidamente em três indicadores: 1) os preços, todos eles, estão mostrando, com ritmos diferentes, tendência de alta –"se fosse só sazonal, alguns caíam, mas todos estão subindo"–; 2) os fatores de produção também mostram curvas ascendentes –"um exemplo é a generalização das antecipações salariais"–; 3) ele chamou também a atenção para o comportamento de ativos financeiros, caso específico da caderneta de poupança.
O diretor do BC diz que a caderneta enfrentou em setembro e outubro "saques pequenos, mas persistentes, o que indica que a remuneração não está, na visão do aplicador, tão compatível com a expectativa para o comportamento da inflação".
Alkimar, porém, nega que o governo esteja reindexando os juros. "Nós não temos nenhum compromisso com um juro real (o que se paga acima da inflação) fixo, como existiu no passado. Nós temos compromisso é de manter a taxa de juros real."
Antes do Plano Real, por dois anos consecutivos, a política de juros do governo procurava sempre pagar um ganho real ao aplicador. A taxa embutia uma expectativa de inflação mais um ganho real, ao redor de 1,2% ao mês. Na prática, os juros estavam indexados.
Segundo o diretor do BC, a atual elevação dos juros, na realidade, é para evitar a reindexação. "A indexação dos salários pelo IPC-r é um fenômeno contratual. Mais importante é a antecipação, que pode gerar a reindexação. A antecipação é um fenômeno econômico, que só se justifica (como prática generalizada) pela demanda aquecida."
Alkimar diz, porém, que o anúncio da criação da Taxa de Juros de Longo Prazo pelo BNDES mostra que a intenção do governo é de, no futuro, reduzir os juros. Ele só disse que não poderia, a priori, estabelecer prazo em que isto acontecerá.
A avaliação do que se passa na economia rachou o mercado financeiro. A avaliação exposta pelo diretor do BC está alinhada com a dos analistas que enxergam mais problemas no horizonte de curto prazo para o Plano Real.
Na outra ponta, alguns bancos e analistas acreditam que a elevação da inflação é, de fato, exclusivamente fruto de problemas localizados e passageiros.
Eduardo Faria, economista do Banco Dibens, expressa com clareza esta visão. "Com a seca o gado emagreceu, a laranja murchou, o feijão ressecou. E não vai se corrigir isto com alta dos juros."
Faria diz que nos EUA estas elevações sequer entrariam nos índices e cita um exemplo: "Antes da Guerra do Golfo, os preços dos combustíveis subiram 50% e o reajuste não foi incluído no índice de preço nem provocou alta da juros. Depois, os preços caíram e a queda também não foi computada nos índices."
Faria diz que o mercado agora está dedicado à discussão do paradigma da laranja: "A mentalidade indexadora acaba fazendo a inflação ser ditada pelo preço da abobrinha."

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