São Paulo, sexta-feira, 4 de novembro de 1994
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Ciro e o craque "animal"

LUÍS NASSIF

O ministro Ciro Gomes dispõe de alguns ingredientes necessários –embora não suficientes– para um projeto de estadista. É homem comprometido com a ação, com mudanças e –principalmente– é promessa política com vida limpa. Não é pouco.
Com discernimento, capacidade de análise e compreensão sobre o papel que tem a desempenhar, vira estadista ou, no mínimo, um político relevante. Se não, vira bufão. Para o país, seria melhor que virasse estadista.
Por enquanto, em alguma coisa Ciro lembra o craque "animal" –Edmundo, do Palmeiras. Pode ser facilmente contido por uma combinação mortal de falsos amigos –seus "manchas verdes", que enaltecem seu lado "animal"–, pequenas provocações e falta de discernimento.
Em outras coisas, não se parecem. Edmundo decide partidas. Ciro, por enquanto, faz embaixadas no meio campo. E não há nada mais descartável do que um "animal" que não marca gols.
Como homem de ação, Ciro quer respostas rápidas para problemas que vão surgindo no caminho do plano. Tem a intuição correta sobre a necessidade de gerar fatos políticos relevantes, que contrabalancem as más notícias.
Ocorre que essa ansiedade esbarra na falta de pique operacional da equipe. Sem o roteiro adequado (já que não é especialista na matéria), Ciro começa a criar seus próprios textos. E aí a grande promessa de ator político converte-se no próprio "analista de Bagé" da economia, para quem essa história de expectativas é frescura de empresário.
O real enfrenta problemas de curto e de médio prazo, ligados à questão do aumento de oferta de bens e serviços na economia. É aí que Ciro precisa agir rapidamente.
Importações
No curto prazo, o governo reduziu alíquotas de importação e espera que o aumento da oferta de importados reduza as pressões de preços internas.
O primeiro papel relevante de Ciro consiste em organizar os consumidores, para que acelerem as importações –não apenas o comprador final, mas todas as empresas que adquirem insumos de terceiros.
Há três grandes grupos a serem organizados. Numa ponta, os grandes varejistas –que já dispõem de razoável familiaridade com o mercado internacional.
Na segunda linha, grandes atacadistas. O Brasil dispõe hoje em dia de uma estrutura excepcional de atacado organizando o pequeno varejo. Só na praça de Uberlândia o atacado movimenta US$ 1,5 bilhão/ano. É um trunfo extraordinário em qualquer política de abastecimento, mas que só agora está ingressando, e ainda muito timidamente, no setor de importações.
Na terceira linha, há setores econômicos que enfrentam com problemas no fornecimento de componentes. Na semana passada, por exemplo, o setor moveleiro de Bento Gonçalves discutia como se organizar para importar vidros, livrando-se das pressões dos fornecedores internos. Tudo ainda muito incipiente.
Câmaras de importação
Caberia ao governo organizar o movimento e orientar o carnaval. Convocaria câmaras setoriais onde, numa ponta, estariam esses três grandes grupos de potenciais importadores. Na outra, fornecedores de serviços –como "tradings" companies e bancos nacionais com rede de agências internacionais (como o Banco do Brasil), mais o serviço comercial do Itamaraty e a Receita.
Nesses fóruns se discutiria desde racionalizações dos procedimentos administrativos até a montagem de sistemas universais de informações sobre produtos a serem importados. Os consumidores teriam acesso a cadastro de fornecedores externos, a empresas que poderiam organizar as importações, a bancos que poderiam financiar as compras e ao governo, para resolver questões burocráticas.
A segunda linha de ação de Ciro seria na frente estrutural. Mas fica para outra coluna.

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