São Paulo, sexta-feira, 4 de novembro de 1994
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A vingança de Havelange

SÍLVIO LANCELLOTTI

Enfim, começou a vingança. E, de acordo com os padrões e as posturas de João Havelange, o brasileiro que manda na Fifa, a vingança se desfruta crua –e gelada. No final de outubro, Havelange desandou a dizimar, da maneira mais implacável e mais impiedosa, a sua oposição na entidade.
O leitor vai se lembrar que, entre novembro de 93 e março de 94, dois movimentos insidiosos e paralelos tentaram impedir mais uma reeleição do brasileiro, a quinta desde a sua posse na Fifa, em 74.
Um dos movimentos nascera dentro de casa, através do suíço Sepp Blatter, o secretário-geral da Fifa. O outro provinha da Uefa, mais precisamente da Itália, e de Antonio Matarrese, o super-bem-sucedido coordenador da Copa de 90.
Para manter o seu cargo, num mandato recorde de 24 anos, Havelange aceitou os ajustes disponíveis. Deixou Blatter no seu posto e, aparentemente, lhe concedeu mais poderes –por exemplo, aquele de administrar as arbitragens da Copa de 94. Ainda, engoliu Matarrese na posição de "vicário" da Fifa, um vice-executivo com funções poderosíssimas no cotidiano e no futuro da entidade.
Na recente reunião de Nova York, todavia, Havelange surpreendeu os seus adversários com uma série de atitudes inacreditavelmente agressivas. No papel, o encontro serviu para determinar a distribuição das vagas continentais à Copa/98. Por trás dos bastidores, porém, funcionou como o palco de um morticínio em massa.
Primeiro, Havelange sumariamente demitiu do comitê de arbitragens três parceiros essenciais de Blatter e de Matarrese –o peninsular Paolo Casarin, o francês Alexis Ponnet e o húngaro Karol Palotai. Concomitantemente, eliminou de outras comissões fundamentais todos os supostos inspiradores de sua derrubada.
Perderam empregos na Fifa senhores como os secretários-gerais das confederações da África, da Concacaf e da Europa, respectivamente o egípcio Mustapha Faluni, o americano Chuck Blazer e o alemão Gerd Aigner. Desapareceu da relação de fiéis à entidade o nome do malaio Peter Velappan, o vice de Blatter numa eventual chapa de oposição a Havelange. Não sobreviveu nem sequer o americano Alan Rothenberg, o "capo" do comitê da Copa dos EUA.
E, no percurso, Havelange conseguiu inserir o seu genro Ricardo Teixeira como o vice do comitê de arbitragens, na escolta de um amigo velho, o escocês David Hill. Uma vitória duradoura? Sei não. O expurgo apenas vai servir para reunir, contra o brasileiro, os ódios da Europa, da Ásia e da África. Salve-se o futebol.

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