São Paulo, sexta-feira, 4 de novembro de 1994
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Três filmes dividem troféu da competição

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Seria injusto dizer que o júri fez média com quase todo mundo, ao dividir o prêmio da Mostra entre três filmes (o iraniano "O Jarro", de Ebrahim Forouzesh, o canadense "Trinta e Dois Curtas Sobre Glenn Gould", de François Girard, e o espanhol "La Madre Muerta", de Juanma Bajo Ulloa).
A competição se deu entre trabalhos de cineastas novatos (com no máximo três filmes realizados). Isso significa quase necessariamente diretores com obras ainda não consolidadas, de quem se espera ver novos trabalhos. São também trabalhos de origens culturais diversas, e no caso importou mais sublinhar as diferenças do que procurar um padrão hegemônico.
"O Jarro" vem do emergente Irã e se fixa na história do professor de aldeia empenhado em consertar ou substituir o jarro que usa para dar água aos seus alunos no intervalo entre as aulas.
É um filme próximo aos de Abbas Kiarostami, pela proposta simples e realista. Mas Kiarostami parte daí para vôos mais altos. Forouzesh parece preso a um neo-realismo estrito, em que a união da comunidade em torno de objetivos comuns é o começo e o fim da operação. É simpático e competente, mas não notável.
"Trinta e Dois Curtas" tem um belo princípio narrativo. Para evitar o elogio puro e simples do pianista Glenn Gould, François Girard divide o filme em vários pequenos episódios. Troca o cronológico pelo lógico, em suma.
A eficácia do princípio narrativo, porém, leva o espectador –ao longo das desigualdades do filme– à dúvida: até que ponto tudo isso não é sintoma de "inteligência no mau sentido"? Ou seja, até que ponto Girard não está jogando poeira nos olhos do espectador? Resposta nos filmes seguintes.
Ao contrário de "Trinta e Dois Curtas", "La Madre Muerta" tende a suscitar dúvidas quando de sua visão. Com o tempo, porém, deixa uma impressão marcante.
Para começar, existe uma ficção forte: um homem mata uma mulher e atinge sua filha com um tiro na cabeça. Anos depois, vê-se a menina internada em uma instituição para doentes mentais. Houve dano neurológico ou ela tornou-se autista, algo assim.
O criminoso a vê passeando, certo dia, e deixa-se permear pela idéia de que a moça pode reconhecê-lo. Idéia absurda. Ou não? Uma das virtudes de Bajo Ulloa consiste em deixar essa dúvida transitar todo o tempo do protagonista para o espectador.
A moça é, evidentemente, um espelho de seus fantasmas. Mas, o que reflete um espelho? O argentino Jorge Luís Borges escreveu uma vez que coitos e espelhos são coisas malditas, pois multiplicam o número de seres. É dessa multiplicação que se alimenta esse filme estranho, que por vezes investe excessivamente no mórbido, mas que tem uma força também incontestável (sem falar na atriz que faz a moça, um trabalho memorável).
No geral, o troféu Bandeira Paulista acaba correspondendo ao espírito da Mostra, que é de trazer ao Brasil autores desconhecidos e, se possível, antecipar nomes que acabem se revelando no futuro.

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