São Paulo, sexta-feira, 4 de novembro de 1994
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Episódios de 'Erotique' sofrem de desequilíbrio

INÁCIO ARAUJO
DA REDAÇÃO

Filme: Erotique
Produção: EUA, Brasil, Hong Kong, 1994
Direção: Lizzie Borden, Ana Maria Magalhães, Clara Law
Elenco: Kamala Dawson, Bryan Cranston, Claudia Ohana, Guilherme Leme, Hayley Man, Tim Loubinos
Onde: a partir de hoje nos cines Belas Artes/sala Aleijadinho, Ipiranga 1, Interlagos 6, Aricanduva 4

A protagonista do episódio "Vamos Falar de Sexo" é Rosie (Kamala Dawson), pretendente a atriz que, enquanto não consegue um papel, trabalha num serviço de sexo por telefone. Trabalha mal, a julgar pelas reações da freguesia, que vive deixando a garota a ver navios. As coisas mudam quando, por acaso, um cliente a escuta dizer ao chefe que está cheia de corresponder às fantasias dos outros.
É o início de uma grande amizade, em que Rosie se intrometerá na vida do homem (Bryan Cranston) e colocará para fora suas fantasias (além de passá-las do telefone ao ato). Enquanto isso, o filme se encarrega de dar conta dos desencontros, ou antes, da fugacidade ou mesmo impossibilidade de encontro entre esses dois lados do universo, masculino e feminino.
Borden filma com intensidade e sem medo de marcar a diferença, não apenas feminina como pessoal, em relação ao mundo. Esse é o aspecto mais interessante do episódio, realmente erótico.
A chinesa Clara Law, radicada em Hong Kong, assina o terceiro episódio, "Sopa Wonton". Ela chega já com um filme premiado em Locarno ("Autumn Moon", de 1992) e trata essencialmente de uma cidade sem identificação. Hong Kong é China e não é. É Oriente e não é. Assim também seus protagonistas, os amantes Ann e Adrian, confusos entre si e em relação às coisas. O enigma envolvendo os dois torna-se, no entanto, disperso seja pela trama, seja por um preciosismo da imagem que não diz exatamente ao que vem.
O segundo episódio, da brasileira Ana Maria Magalhães, deixa ver as vicissitudes do cinema brasileiro atual. Logo de cara, vê-se uma cidade de Minas. Em seguida, uma agência da Caixa Econômica Federal. Por que a Caixa? O cartaz do filme explica: a Caixa é uma das patrocinadoras do filme.
Mais tarde, chega-se ao Rio. Segue-se um passeio turístico, com direito a cartões postais diversos da cidade. Explica-se: a Riotur também é patrocinadora.
Desse jeito fica difícil saber aonde a diretora queria chegar com "Chamada Final", a história da jovem professora mineira (Claudia Ohana) que toma um trem com destino ao Rio. No caminho, dois brutamontes pretendem currá-la. Ela é salva por um fotógrafo bonitão.
O episódio baseia-se no conto "A Língua do P", de Clarice Lispector. Na verdade, Lispector entra na história um pouco como Pilatos no "Credo". Em seu texto, uma garota reprimida se faz passar por prostituta para evitar uma curra. Vai presa como prostituta e acaba se deixando seduzir pela fantasia erótica que usou, inicialmente, como defesa pessoal.
O episódio substitui esse complexo movimento por um imaginário ingênuo. Há uma espécie de pudor em tratar da sexualidade, que torna convencional e normativo o discurso sobre a paixão. Algo que existe fora da convenção e, se possível, contra as normas.

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