São Paulo, sexta-feira, 4 de novembro de 1994
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Collor, FHC e Butterfly

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Em suas andanças pelo mundo, logo depois de eleito, Collor assistiu "Madama Butterfly" em não sei mais que cidade. Agora foi a vez de FHC assistir a mesma ópera em Buenos Aires. Com uma notável diferença: Collor ficou no teatro até o final, viu a infeliz esposa de Pinkerton praticar o haraquiri, com o filhinho ao colo, agitando as bandeirinhas do Japão e dos Estados Unidos.
FHC teve de sair logo depois do dueto de amor do primeiro ato –talvez o tema melódico mais expressivo de Puccini.
A prevalecer a lei dos contrários, deve-se dizer que Collor, que ficou até o fim da ópera, não conseguiu ficar até o fim do mandato. Enquanto FHC, que saiu no meio da ópera, poderá ficar até o fim de seu período presidencial. Faço votos.
Dizem que "Madama Butterfly" dá azar. É a ópera mais popular do autor e, segundo estatística que agora não tenho à mão, a mais repetida na cena lírica, superando "La Traviata", de Verdi, e "Carmen", de Bizet, em montagens e gravações. Apesar disso, os entendidos garantem que o drama da japonezinha de 15 anos, de "longos olhos ovais", com o tenente B.F. Pinkerton (uma premonição de Hiroshima e do general Mac Arthur), sempre causou transtornos para cantores e espectadores.
Menos para seu autor, pois Puccini, que já era o compositor mais bem pago do mundo à sua época (como sempre, os rivais diziam que ele tinha vendido a alma ao demônio), tornou-se o primeiro artista a ter um público internacional, a compor expressamente para uma platéia mundial.
Mesmo assim, a estréia da ópera foi um fracasso e um escândalo. Até hoje os críticos não perdoam aquela oferta de Pinkerton ao cônsul Sharpless em Nagasaki: "Milk-Punch o wisky?". Tampouco o brinde ("America Forever") ao som do hino americano que passeia pela partitura toda vez que Puccini teve preguiça de fazer música nova.
Deve-se acrescentar que "Madama Butterfly" também não deu sorte para Collor. Como FHC não crê muito nessas coisas, é possível que ele ainda tenha tempo de ver a ópera inteira, depois de um mandato normal e, se possível, bem-sucedido.

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