São Paulo, domingo, 6 de novembro de 1994
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Relacionamento entre Ciro Gomes e equipe econômica ameaça plano

LILIANA LAVORATTI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Os desencontros entre o ministro da Fazenda, Ciro Gomes, e os demais integrantes da equipe econômica poderão complicar a condução do Plano Real.
Isso está acontecendo exatamente em um momento em que é fundamental manter a inflação baixa para o bom andamento do plano.
Essa preocupação cresceu na Fazenda nos últimos dias, quando despontaram as dificuldades de relacionamento entre Ciro e os formuladores do plano.
O receio é que mais uma vez o mercado aproveite essa fragilidade do governo para aumentar preços.
A inflação de outubro, por exemplo, medida pela Fipe ficou em 3,17%, o que representa um aumento de 2,35 pontos percentuais em relação a setembro.
O ministro Ciro Gomes tentou, na sexta-feira, minimizar os efeitos da inflação da Fipe afirmando que o índice oficial (IPC-r) ficou apenas em 1,86%.
"O índice da Fipe apura inflação só em São Paulo", disse. Só que em agosto, quando o IPC-r atingiu 5,46% e a Fipe 1,95%, o IPC-r foi criticado pelo governo por captar de uma vez só a pressão vinda dos aluguéis.
Até agora, os desentendimentos resultaram em duas alterações no cronograma das medidas de ajuste do plano. A primeira foi o pacote de arrocho ao crédito e restrição da entrada de dólares no país. O anúncio das medidas foi antecipado em 15 dias. A data prevista do pacote era 26 de outubro para prevenir o aumento do consumo em novembro e dezembro.
As medidas foram antecipadas para neutralizar a reação dos empresários às declarações de Ciro de que os juros iam "subir às alturas para conter remarcações de preços".
"Boi solto"
As declarações bombásticas de Ciro –que chamou os consumidores de "otários" e acusou o empresariado paulista de armar um complô contra o plano– deixam na Fazenda a sensação de "um boi solto numa loja de cristais", segundo expressão usada por um assessor do Ministério da Fazenda.
O segundo episódio foi a antecipação para a última terça-feira da criação da taxa de juros de longo prazo.
Apesar da resistência do presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Pérsio Arida, venceu a posição de Ciro de adiantar a medida.
Daqui para frente os conflitos deverão se acirrar por conta da disputa de espaço neste final de governo com vistas ao próximo.
Quando ainda era candidato, o presidente eleito Fernando Henrique Cardoso aceitou a nomeação de Ciro sem o compromisso de mantê-lo no cargo depois de 1º de janeiro.
A falta de sintonia também existe em relação à necessidade de flexibilizar a restrição imposta aos consórcios. Enquanto Ciro sustenta que não haverá alteração no prazo de 12 meses, outros integrantes da equipe admitem a possibilidade de rever a regra.
O estilo de Ciro de "não engolir prato feito" –expressão usada na Fazenda para classificar o jeito do ministro de participar das decisões– vem se chocando com a situação definida desde a gestão de FHC.
Os economistas da equipe estavam acostumados ao comportamento do ex-ministro Rubens Ricupero, que na maioria das vezes se limitava a repassar as decisões. Agora, Ciro quer conhecer as implicações políticas e econômicas antes de concordar com as propostas.
Na opinião do ministro do Planejamento, Beni Veras, "ainda há espaço entre Ciro e a equipe para discutir os problemas e chegar a um consenso". Beni é considerado o principal aliado de Ciro no governo.
"A equipe ainda está em ordem, são divergências em família", afirmou Beni.

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