São Paulo, domingo, 6 de novembro de 1994
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O seu McCaw

RICARDO SEMLER

RICARDO FRANK SEMLER
MONTREAL, CANADÁ - Um careta mais do que desconhecido, chamado Craig McCaw, achou um jeito de falar pelo telefone de dentro do carro. Poucos anos depois ele vendeu sua empresa por mais de US$ 11 bilhões.
Agora, ele quer entrar num novo ramo que, para os menos avisados, pode parecer o mesmo. Trata-se de telefonia sem fio, a tal da "Infobahn", ou super-rodovia da informação. O que está em jogo, obviamente, não é só conversa por telefone.
É só dar uma olhadela sala de visitas afora. Tem televisão num canto, fio de TV a cabo, o três-em-um do lado, um telefone aí encostado, videogame jogado, e micro guardadinho. Tem videocassete em cima da TV, fita de vídeo que esqueceram de devolver (rebobinar, nem se fala), CD fora da caixa, disco de vinil que não serve mais para nada, fita cassete embaixo do banco do carro.
Lá no armário tem um projetor de slides que ninguém mais sabe montar e que era usado pra ver as fotos do casamento de cabeça para baixo. E a tal da câmera de vídeo, comprada com tanto entusiasmo em Miami, hoje só serve para mandar cenas ridículas pro Faustão.
Pois é, não vai ficar assim. E é aí que entra o seu McCaw. Nos países que pensam à frente, já ficou claro que essa parafernália impensante vai ter que passar por uma simplificação radical e uma grande unificação. Simplificação porque só criança que nasceu com Gameboy na mão sabe lidar com os incontáveis botões que dirigem nossa vida.
Não é difícil achar meia dúzia de controles remotos pela casa, todos estranhos entre si. E quem tem mais idade ou menos interesse por brincadeiras fica boiando. Analfabetos eletrônicos, muitos de nós.
Escrevo hoje estas mal traçadas num bichinho que não pesa nem dois quilos, manda fax através de telefone público e guarda na sua memória mais informação do que uma pessoa teria acesso durante cem anos no século passado.
Pena que só tem bobagem, artigos velhos e informação temporariamente útil aqui dentro, que o bicho vive tendo chilique e que penso em usá-lo como frisbee pela janela quando ele se recusa a receber fax depois de oito tentativas.
As possibilidades de unificação, porém, são sedutoras. É só imaginar como será, em breve. Um só centro com tela e som, no lugar da TV.
Cem canais, como já tem em Nova York, aluguel de filmes através de um botão "pague" no controle remoto único, resenha de três ou quatro jornais na tela todo dia, telefone e correio de voz numa central que acessa também telefones móveis e transfere as ligações e fax para onde você estiver.
Música digital junto com imagens, CD-ROM com revistas e bancos de dados de universidades, fotos digitais sem uso de filme fotográfico, sons e imagens nas quais você interfere quando quiser. Computador embutido e catálogos eletrônicos das principais lojas e supermercados, permitindo compra por cartão de crédito através da dita cuja TV central.
Que maravilha, não? Que bomba, isso sim. Claro, vai facilitar tudo, em tese, mas nos coloca cada vez mais no circuito da Mc-informação, o fast-food de música, imagens, dados e compras, tirando privacidade e fazendo com que estejamos disponíveis e conectados 24 horas por dia.
E quem disse que queremos? Enfim, basta olhar a pilha de sucata à nossa volta para perceber que o engodo da tal vida moderna vem por aí com uma força assustadora. Seremos capazes de resistir? Diz o seu McCaw que não...

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