São Paulo, domingo, 6 de novembro de 1994
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Favela promete guerra a traficantes do Rio

ELVIRA LOBATO
DA REPORTAGEM LOCAL

A favela São Rafael, um amontoado de 1.300 barracos com 6.000 moradores à margem da rodovia Fernão Dias (zona leste de São Paulo), promete guerra aos traficantes cariocas se eles tentarem se instalar no local para fugir ao cerco do Exército aos morros do Rio.
Segundo os moradores, os traficantes seriam recebidos "a bala" pelos matadores locais, que controlam a área como um verdadeiro poder policial paralelo.
O presidente da associação de moradores da favela São Rafael, Nelson Alvin, disse à Folha que numa eventual tentativa de invasão por parte de traficantes cariocas haveria "uma revolução".
"Aqui há um pessoal camicase que se dispõe a tudo para defender a área", diz Alvin. (Camicases eram os pilotos suicidas japoneses da 2ª Guerra Mundial que davam suas vidas para garantir que o alvo seria atingido).
Segundo o líder comunitário, não há como precisar o número de matadores existentes na favela. Ele diz apenas que são homens empregados, pais de família, que tanto podem agir isoladamente quanto em grupo, mas não por dinheiro.
"São voluntários. Não gostam de ladrões, nem da polícia por perto. Se aparece bandido na área, resolvem o problema por aqui", diz.
A reportagem da Folha percorreu a favela São Rafael na última quinta-feira e foi abordada por seis homens que riam ao ser questionados sobre a hipótese de traficantes ocuparem a favela.
"Nenhum traficante terá vez aqui. Essa gente só entra se a população deixar", disse o cobrador José Virgínio, 47, único do grupo que aceitou dar o nome.
Em São Rafael, como nas outras 1.591 favelas de São Paulo (número oficial fornecido pela prefeitura) vigora a lei do silêncio. Moradores não revelam nomes de matadores, pois temem ser mortos.
Nelson Alvin, que mora há 23 anos no local, disse que para ser um líoder respeitado aprendeu a fechar os olhos para as mortes. "Se aparecer um morto, não adianta me chamar. Não posso avisar à polícia, para não ficar mal visto."
Segundo ele, há semanas em que ocorrem até três mortes. O 2º DP de Guarulhos, responsável pela área, diz não ter estatísticas sobretudo nos finais de semana, quando o DP está fechado.

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