São Paulo, domingo, 6 de novembro de 1994
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Mercosul, Nafta e a cúpula de Miami

JOHN BAILEY

Esta é uma era de incerteza sobre o futuro da integração no continente
Esta é uma era de incerteza sobre o futuro da integração no continente. Alguns políticos e acadêmicos encaram os blocos regionais como prenúncio de formas mais avançadas de intercâmbio internacional, enquanto outros os encaram como fortalezas produtoras de tensões e até conflitos.
Estes foram alguns dos temas debatidos em 27 e 28 de outubro no 2º Fórum Mercosul/Nafta, reunido em São Paulo com o objetivo de levantar propostas de parlamentares, acadêmicos e diplomatas latino-americanos para a Cúpula das Américas, que terá lugar em Miami, a 9 de dezembro.
Embora reconhecendo a importância dos temas da democracia, governabilidade e desenvolvimento sustentável, propostos pelo governo Clinton, os participantes deram prioridade às questões de comércio internacional e desenvolvimento.
Um ponto central da discussão foi como as nações da América do Sul deveriam orientar suas estratégias comerciais com relação aos Estados Unidos e ao resto do mundo. Por outro lado, houve grande ceticismo quanto aos progressos concretos que poderiam advir da Cúpula de Miami.
Fui levado a repensar a experiência do Nafta com relação a outras experiências de integração regional, em função das discussões que presenciei.
Meu argumento no fórum sublinhava o fato de que o Nafta foi produto de um conjunto único de circunstâncias e de que o atual contexto político nos Estados Unidos parece oferecer poucas perspectivas para iniciativas audaciosas em matéria de integração. Apesar disso, creio que a cúpula ainda permanece de enorme importância para estabelecer a agenda da política interamericana no futuro próximo.
O Nafta é produto de fatores estruturais de longo prazo e de uma convergência única de atores e acontecimentos: a frustração norte-americana com respeito a relações comerciais no contexto das negociações do Gatt, em particular problemas com o Japão e a Europa; preocupações do empresariado e do governo norte-americano com a inadequação do Gatt para resolver questões de investimento, serviços e propriedade intelectual, além de problemas de acesso aos mercados europeu e japonês.
O Canadá, por sua vez, interessou-se num acordo de livre comércio para contornar o protecionismo dos Estados Unidos. Quanto ao México, além de motivações análogas, também foi movido pela necessidade de congelar uma série de reformas estruturais destinadas a modernizar a economia e atrair grandes fluxos de capitais externos.
As principais características do Nafta são: cada um dos três países é um parceiro comercial significativo do outro (85% do comércio externo na América do Norte é entre os três países do Nafta); os três parceiros dividem cerca de 9.000 quilômetros de fronteiras comuns, com concentrações significativas de habitantes e atividades industriais.
Além dos fatores comerciais, existe uma preocupação avassaladora, inconfessa, mas de enorme importância, com a segurança nacional na ótica dos Estados Unidos. O país não pode operar como potência global se estiver preocupado com instabilidade em sua fronteira imediata.
Alguns fatores políticos foram vitais para a aprovação do Nafta. Reagan e Bush, um da Califórnia, outro do Texas, são "republicanos do Cinturão do Sol", que conhecem muito bem o México e puderam mobilizar grupos de interesse em apoio à iniciativa.
No Canadá, Brian Mulroney, do Partido Conservador Progressista, então primeiro-ministro, compartilhava da mesma ideologia pró-mercado de seus colegas americanos e, no México, Carlos Salinas estava disposto a romper velhos tabus populistas para promover novas políticas de comércio e investimento.
Mas quando o Nafta foi aprovado, em novembro último, já havia mudanças a caminho. A aprovação no Congresso deixou marcas profundas no Partido Democrata e Clinton ficou escaldado quanto a novos debates polarizados em matéria de protecionismo e livre-comércio.
Na verdade, Clinton é um presidente comparativamente fraco, eleito com apenas 43% dos votos expressos e será ainda mais enfraquecido pelos resultados das eleições de 8 de novembro próximo. Os republicanos devem ganhar em torno de 25 novas cadeiras (reduzindo a maioria democrata a algo como 231 contra 203) e podem obter o controle do Senado.
Mas se isso torna improváveis iniciativas genuinamente novas em comércio e desenvolvimento na Cúpula de Miami, por que a reunião ainda seria significativa? Voltei de São Paulo impressionado com o discurso bem articulado dos parlamentares e diplomatas latino-americanos.
Seus argumentos sobre a urgência de enfrentar problemas de desigualdade internacional e regional podem fazer muito para informar a opinião das elites e da mídia nos Estados Unidos e no Canadá, o que, por sua vez, reforçará uma série de atores que irão influenciar a decisão política nos debates posteriores sobre comércio e desenvolvimento.
Outra razão pode parecer trivial mas é de importância decisiva. Com o simples fato de reunir-se, uma cúpula presidencial força o governo americano a articular posições sobre uma ampla faixa de questões. Estabelecido o prazo da Cúpula, forçam-se dezenas de debates, existentes dentro do Executivo norte-americano, a conclusões ao menos temporárias. Muitos de nós, inclusive eu, ficaremos fascinados em conhecer que posições o governo norte-americano irá tomar em matéria de comércio e desenvolvimento.

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