São Paulo, domingo, 6 de novembro de 1994
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Real, FHC e Mercosul

ANTONIO KANDIR

A viagem de Fernando Henrique a Buenos Aires, a primeira de caráter oficial do presidente eleito, marca um momento importante das relações entre Brasil e Argentina, reforçando expectativas de crescente parceria entre os dois maiores países da América Latina.
A parceria não foi a tônica de nossas relações bilaterais com os argentinos ao longo deste século. No período posterior à Segunda Guerra, até o início dos anos 90, a estratégia de desenvolvimento apoiada no fechamento das economias à concorrência externa, comum a ambos os países, manteve limitado o intercâmbio comercial entre Brasil e Argentina.
Ao minguado intercâmbio comercial juntava-se forte desconfiança recíproca no plano geopolítico. Desconfiança acentuada nos longos períodos autoritários vividos tanto de um lado quanto de outro da fronteira.
O contraste dava-se no campo intelectual e científico, em intercâmbio importante no qual FHC participou com destaque. Feliz coincidência que seja ele a ter a possibilidade de virar, de vez, a página da história das relações bilaterais entre Brasil e Argentina.
Essas relações começaram a mudar com o fim dos regimes autoritários, em 1983, na Argentina e em 1985, no Brasil. Novo passo deu-se logo em seguida, em 1986, com a assinatura de acordos que resultariam, cinco anos mais tarde, em 1991, na celebração do Tratado de Assunção, que estabeleceu o Mercosul em sua configuração atual e traçou o cronograma para sua implantação definitiva.
A consolidação do Mercosul, porém, esbarrava, afora intrincados e inevitáveis problemas setoriais, em um grande obstáculo macroeconômico, que tornava impalpável a possibilidade de haver coordenação entre as políticas econômicas dos países-membros.
A economia argentina entrara em processo firme de estabilização a partir de 1991, mas o Brasil permanecia às voltas com um regime de inflação cronicamente elevada e sem rumo claro.
As dificuldades do Brasil provocaram certo realinhamento da estratégia argentina em relação ao Mercosul. No correr de 1993, foram-se avolumando os sinais e as evidências de que os argentinos estudavam uma possível adesão individual ao Nafta.
Em abril de 1994, quando ainda era incerta a evolução do quadro econômico e político brasileiro, o ministro Cavallo teria dito, a respeito do Mercosul e do Brasil, que a Argentina não poderia ficar "atada a um cadáver".
O Plano Real e a vitória de FHC mudaram as coisas. As eleições de 3 de outubro não só mostraram a adesão do país ao processo de estabilização em curso, como ratificaram o projeto de internacionalização competitiva.
Parte importante desse projeto, o Mercosul revitalizou-se, com o Brasil recobrando a confiança para exercer o papel protagonista que lhe cabe na região.
A Argentina, que depende da intensificação dos fluxos com o Brasil para dinamizar sua economia, percebeu a mudança, retrocedendo em seus acenos explícitos em direção ao Nafta.
Outro sinal de percepção da mudança vem da União Européia, que busca estreitar relações com o Mercosul com vistas a uma possível zona de livre-comércio na primeira década no próximo século.
Às vésperas da implantação do Mercosul, a 1º de janeiro de 1995, com a supressão de barreiras tarifárias internas e a progressiva entrada em vigor de uma Tarifa Externa Comum incidente sobre produtos vindos de fora dos países-membros, a integração no âmbito da América do Sul recebe um importante impulso com as perspectivas de crescente entrosamento entre Brasil e Argentina.
Quão melhor esse entrosamento, maiores as chances de evolução no contínuo processo de consolidação e aperfeiçoamento do Mercosul e mais amplo o raio de manobra estratégica de Brasil e Argentina para estabelecer vínculos preferenciais benéficos com outros blocos econômicos.

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