São Paulo, domingo, 6 de novembro de 1994
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Nova biografia de Heidegger sai em alemão

MARIA CRISTINA FRIAS
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE FRANKFURT

O escritor alemão Ruediger Safranski, 49, encontrou nas biografias de filósofos um bom filão. Em 1987, ele publicou pela Hanser uma respeitada obra sobre Schopenhauer. Agora foi a vez do controvertido Martin Heidegger.
Pela mesma editora, ele acaba de publicar "Um Mestre da Alemanha", que Safranski garante ser o trabalho mais abrangente já escrito sobre a vida e a obra do filósofo. E, com a autoridade de quem pesquisou quatro anos antes de escrever, contesta a versão de que Heidegger era anti-semita. Ao contrário do que afirmou o chileno Victor Farias, em "Heidegger e o Nazismo", Safranski sustenta que o autor de "O Que É a Metafísica?" se identificou "com os ideais do nacional-socialismo , mas não discriminava os judeus".
Com relação à discussão sobre os reflexos dessa posição política sobre o pensamento de Heidegger, o autor desconversa. Não quer adiantar muito do melhor do livro.
Safranski fala inglês, mas, cuidadoso, disse que só dava entrevista no seu idioma. Concordei, lembrando que "está provado que só é possível filosofar em alemão...". Ele sorriu satisfeito ao ouvir os versos de Caetano Veloso. A seguir, os principais trechos da entrevista que ele deu à Folha, em Frankfurt.

Folha – Por que mais um livro sobre Martin Heidegger?
Safranski – Não há ainda nenhum trabalho sobre Heidegger que tenha tratado ao mesmo tempo de sua obra e de sua vida de forma aprofundada. Existem obras isoladas, que tratam de um ou outro aspecto, mas eu procurei fazê-lo de forma global.
Folha – Heidegger despertou polêmica por sua posição em relação ao partido nazista, ao qual ele aderiu oficialmente. Há uma discussão sobre até que ponto essa posição política interferiu na obra dele. Como isso é tratado no seu livro?
Safranski – Este é um tema central neste livro, porque essa catástrofe, esse envolvimento de Heidegger com o nacional-socialismo –essa imagem dele– contaminou sua teoria. Então, tive que abordar intensamente estes aspectos, para depois chegar à essência da sua filosofia.
A linha do livro pode ser vista já a partir do título. Há um verso em alemão que diz que a morte é uma mestra da Alemanha. Achei que esse verso era válido para Heidegger, porque ele desafiou o diabo com este envolvimento com o nacional-socialismo. Além disso, na Alemanha se fala de mestre Eckhart, um místico. Heidegger também pode ser considerado um mestre místico. Entre estes extremos, o livro se movimenta, do poeta ao místico, do místico ao desafiador.
Folha – Por que místico?
Safranski – No início e no final de sua vida, Heidegger foi muito religioso. Ele sempre se preocupou com uma única questão: o que é o ser. Nunca se deu por satisfeito com as respostas dadas pela ciência. Daí o misticismo. Ele era um religioso sem Deus.
Folha – Que tipo de consequência trouxe, a seu ver, o envolvimento dele com o nazismo?
Safranski – Heidegger foi um nacional-socialista com fervor, um revolucionário. Para ele, a Alemanha de l933 era um caos que não poderia continuar a existir. Só que ele não era um anti-semita e esse foi o maior engano sobre ele. Ele não compartilhava do anti-semitismo, só da esperança que o nacional-socialismo representava. E, na Alemanha, muita gente fala de Heidegger, mas poucos lêem.

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