São Paulo, domingo, 6 de novembro de 1994
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Luz sobre os raios

DANIELA ROCHA
DE NOVA YORK

Imagens captadas por câmeras de vídeo instaladas em aviões identificaram um fenômeno antes desconhecido por cientistas: sobre nuvens de tempestades, ocorrem imensos disparos de luz vermelhos e azulados.
O responsável pelo estudo que identificou o fenômeno é o cientista Davis Sentman, do Instituto de Geofísica da Universidade do Alasca em Fairbanks, que lidera a equipe de pesquisadores que descobriu o evento.
A descoberta foi documentada em julho do ano passado, quando câmeras de vídeo registraram as primeiras imagens dos disparos luminosos, captados sobre nuvens de tempestade localizadas nos Estados de Kansas, Nebrasca, Colorado e Iowa (região central dos Estados Unidos).
Imagens mais recentes foram obtidas em tomadas aéreas sobre o Estado de Oklahoma, entre 29 de junho e 12 de julho deste ano.
Neste estudo, constatou-se dois diferentes tipos de clarões, batizados de sprites (duendes), vermelhos e visíveis a olho nu, e blue jets (jatos azuis), invisíveis a olho nu e mais raros.
Segundo Sentman, várias pesquisas estão sendo realizadas para verificar se esses clarões ocorrem sempre que há relâmpagos. Desconfiamos que sim, mas ainda precisamos pesquisar, disse o cientista por telefone à Folha.
O pesquisador também investiga se eles poderiam modificar a camada de ozônio ou causar problemas para aviões que trajetam em altitude elevada.
Estamos na fase inicial deste projeto. O fenômeno foi registrado em mais de cem fitas de vídeo que estamos estudando. Só de uma coisa temos certeza: não são discos voadores.
Segundo ele, existe a suspeita de que os clarões sejam formados por descarga elétrica, uma vez que o fenômeno acontece sobre nuvens de tempestade e relâmpagos.
Neste caso, a questão da camada de ozônio é relevante, porque sabemos que descargas elétricas podem alterar a química do ar e, consequentemente, na área mais alta da atmosfera, onde fica a camada, o evento poderia afetar a produção de ozônio. Claro que isso dependeria da dimensão dos 'sprites' e das condições de temperatura.
Teorias
Além da possibilidade de serem gerados por descarga elétrica, existem três outras teorias que tentam explicar o fenômeno dos sprites. Uma atribui o fenômeno a emissões de ondas radioelétricas dos relâmpagos gerados por nuvens que estão em altitudes inferiores.
Outras teorias sugerem que os clarões poderiam ser descargas de fluorescência, similares à luz emitida em tubos de neon, ou possivelmente um fenômeno que envolve a absorção de ocorrências naturais de raios X ou ultravioleta.
A composição molecular dos clarões ainda está sendo estudada. Os instrumentos que utilizamos eram específicos para captar imagens, no futuro devemos obter informações mais detalhadas sobre eles e tentar determinar como são compostos, como se formam e o que causam, disse Sentman. Segundo ele, também devem ser estudados os efeitos eletroquímicos dos clarões na atmosfera terrestre.
Pesquisa
A Nasa (agência espacial americana) é a patrocinadora do projeto de investigação sobre o fenômeno.
Sentman, o cientista Eugene Wescott (também professor da Universidade do Alasca) e uma equipe de apoio de pesquisadores dos EUA fizeram os primeiros registros dos clarões de luz em vídeo, com gravação do som por rádio. Todas as imagens foram feitas durante o verão, que é a época de maior ocorrência de tempestades.
Todo o equipamento foi instalado em um avião-laboratório da Nasa. Para captar as imagens, o avião sobrevoou nuvens de tempestade a uma altitude de até 15 mil metros.
A câmera utilizada tinha um filme especial, sensível a disparos de luz de baixa intensidade.
Disparos
As imagens iniciais que obtiveram, em preto-e-branco, mostravam 19 exemplos de disparos de luz que aparentemente saíam de nuvens de tempestade e se estendiam pela camada de ozônio até as camadas mais altas da atmosfera.
Os disparos duravam menos de 0,03 segundo e tinham tamanho estimado em cerca de 50 km a 65 km de comprimento e 10 km de extensão. O som registrado era similar ao barulho de um tiro ou um estouro abafado.
Durante a missão da Nasa, um disparo para a estratosfera foi gravado a cada 300 relâmpagos que saíam das nuvens em direção à superfície terrestre.
Cor
Nas imagens obtidas este ano em Oklahoma, foram utilizados dois aviões para conseguir uma descrição detalhada do fenômeno, com a determinação de frequência com que ocorre, duração, direção, dimensão física e velocidade de propagação, além de obter a gravação em espectro luminoso.
A primeira imagem colorida foi de um sprite. A cor –confirmada por uma análise espectrográfica– é predominantemente vermelha, sua duração é de um centésimo de segundo e o fenômeno pode assumir diferentes formatos.
Um dos sprites foi registrado a 95 km de altitude, acima do topo da nuvem.
Os blue jets têm coloração azulada e púrpura. Podem atingir velocidades de 10 km a 100 km por segundo. O comprimento registrado foi de menos de 40 km até seu topo. Assume diferentes formas: jatos, feijão, cones e sprays de luz.
Não sabemos o que determina a ocorrência de um 'sprite' ou um 'blue jet'. O que pudemos verificar é que de algum modo, os 'blue jets' são mais misteriosos que os 'sprites'. Os 'blue jets' são disparos diretos das nuvens e, do começo ao fim, duram um quarto de segundo. Para este caso não pudemos pensar em nenhuma teoria plausível que pudesse explicar seu aparecimento, diferentemente dos 'sprites'.
Os blue jets ocorrem 100 vezes menos que relâmpagos comuns durante uma tempestade. Durante 12 noites de tempestade, podíamos ver várias vezes a formação de 'sprites', mas verificamos apenas uma formação de 'blue jet' –através da gravação em vídeo, já que esse fenômeno é invisível a olho nu, afirmou Sentman.
Segundo ele, é possível ver do solo um sprite. Para isso é necessário estar a uma distância mínima de mil quilômetros da tempestade, numa localidade onde não haja nuvens (o céu tem que estar limpo). A observação só é possível durante a noite. Dali, você deve olhar sobre as nuvens de tempestade, que é onde ocorrem os 'sprites', e é de onde nós também fizemos observações.
Sentman afirmou que toda a sua equipe conseguiu ver ao menos uma vez o fenômeno do 'sprite'. À partir do momento em que sabíamos, através das imagens que vimos em vídeo, como era e onde se formaria, foi fácil localizar.
Brasil
Segundo Sentman, existe interesse em realizar essas pesquisas em outras regiões do mundo onde existem fortes tempestades.
Tenho projeto de estudar em janeiro e fevereiro próximos o fenômeno na América do Sul, na região Amazônica e a leste dos Andes, no Peru, para verificar se existem clarões sobre as nuvens de tempestade naquele local, disse.
Além da região Amazônica, também são áreas de interesse de pesquisa o sudeste asiático e a África, onde ocorrem tempestades frequentes.
Estamos em discussão com a Nasa para criar um programa separado de estudo desses fenômenos, através de várias equipes que possam registrar mais os clarões, com a utilização de radares e equipamentos que determinem cores e formação atômica e emissões de rádio do fenômeno, afirmou o pesquisador.
Segundo ele, os estudos dos fenômenos luminosos sobre nuvens de tempestade ainda devem durar muitos anos. Podemos até localizar novas formas de clarões de luz, mas para explicar o que já registramos depende ainda de muita observação e pesquisa.

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