São Paulo, segunda-feira, 7 de novembro de 1994
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Crescer, sem complicar

MIGUEL JORGE

Existe ambiente político, social e econômico para se produzir automóveis no Brasil? Sim, embora a abertura dos portos não esteja sendo feita impunemente.
Em termos políticos, o país saiu das eleições com um Estado mais vigoroso e democrático, em melhores condições de enfrentar a inflação e o desemprego. Pode se reorientar para uma maior produção industrial e contribuir para a criação de mais emprego e riqueza, consequência natural do processo.
No caso da indústria automobilística, tratando-se num clima de paz e crescimento econômico, com diálogo com os trabalhadores e certa sintonia com as ações do governo.
Os acordos dos últimos dois anos permitirão investimentos mínimos de US$ 20 bilhões até o ano 2000, a produtividade cresceu 16% deste o início da década, a economia é aberta e competitiva, como deve ser. O país industrializa-se ainda mais e, com um setor automobilístico forte, pode criar novos empregos, com seu efeito multiplicador.
Os números justificam o otimismo: a produção deve ultrapassar este ano 1,55 milhão de unidades, com vendas internas de 1,2 milhão e exportação de 360 mil unidades. Nos três casos, serão novos recordes (a produção e as vendas internas baterão de longe os números de 1993, de 1,39 milhão e 1,06 milhão, e as exportações, se confirmadas, superarão o melhor resultado até hoje, desde 1987, quando se exportaram 345 mil veículos).
Esse desempenho comprova o êxito do acordos setoriais, que levaram ao crescimento da indústria em dois anos seguidos. Prova, sobretudo, de que há base sólida para se rever a meta de 2 milhões de unidades para o ano 2000, na qual muitos não acreditaram. A revisão pode até mostrar como essa meta foi modesta frente a uma possível realidade de 3 milhões de unidades.
Mas, quando se fala em crescimento do setor, é preciso destacar que ele seria enganoso sem a exata compreensão dos problemas estruturais que ainda rondam a indústria como um todo –afinal, a produção diz respeito ao homem, ao social, mais até que a própria economia em si.
O presidente eleito terá de coordenar programas sociais que tornem digna a vida dos milhões de brasileiros excluídos da riqueza nacional. Terá de criar mais empregos e começar a distribuir a renda de maneira mais justa.
Na infra-estrutura, fala-se de transporte, energia elétrica, portos, mas também é preciso incluir educação, saúde, saneamento etc. Se crescermos nos próximos dois anos à taxa anual de 5%, haverá racionamento de energia, se não se investir no setor.
Sem cuidarmos da educação e da saúde, quem serão os brasileiros do futuro, os quais precisarão concorrer, mais que os de hoje, numa economia globalizada, eficiente, altamente competitiva?
A opção parece clara: ou se investe em todas essas áreas ou o Brasil continuará a ser o país do futuro. No caso de transporte, energia, portos, telecomunicações e outros setores vitais, parece mais claro ainda que será preciso abrir espaço para o setor privado.
Nenhuma nação pode movimentar-se em dois sentidos opostos –o do crescimento e o de suas próprias dificuldades estruturais.
Esse é o desafio que se coloca à nossa frente e à frente do novo governo. Certamente, estamos todos prontos para enfrentá-lo. Falta, apenas, a decisão política de se começar o processo das reformas estruturais, urgentes, inadiáveis e necessárias ao crescimento sustentado e à transformação social.
Não temos muito tempo. E esta decisão precisa ser tomada já no dia 1º de janeiro de 1995.

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