São Paulo, segunda-feira, 7 de novembro de 1994
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Saúde, planejamento e gestão

DALTON CHAMONE

O Brasil é um país doente. Recente análise feita pela Coordenadoria de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde, através da triagem de doadores de sangue, revelou que 25% da população brasileira aparentemente saudável é inapta para doar sangue.
Some-se a estas mais pelo menos 20% de pessoas sabidamente portadoras de alguma doença e chegamos à dramática conclusão de que quase metade da população brasileira é portadora de algum tipo de moléstia.
Essa situação é agravada ainda mais pela tão conhecida escassez de recursos e pelo aviltante quadro de desperdício e de aplicação inadequada das verbas.
O diagnóstico da saúde pública do país não deixa margem a dúvidas. O setor sofre de uma profunda falta de gerenciamento administrativo e financeiro. Um mal que merece ser tratado com a maior urgência possível.
Para usar uma expressão do presidente eleito, o brasileiro acostumou-se, com o correr dos anos, lamentavelmente, a ver o orçamento público escorrer pelo ralo da corrupção e da burocracia. No campo da saúde não é diferente.
Nunca existiu neste país um controle minimamente razoável para a aplicação das verbas destinadas ao setor. Pior ainda: nos últimos anos, os gastos com a saúde sofreram uma queda vertiginosa.
Para se ter uma idéia da dimensão desse enxugamento, enquanto que em 1989 foram investidos US$ 11,30 bilhões no setor, em 1993 o orçamento despencou para míseros US$ 7,50 bilhões, ou seja, o investimento anual por habitante caiu de US$ 79,70 para US$ 47,77.
Em tempos de redefinição política, cabe fazer a seguinte pergunta: qual seria o perfil adequado do dirigente deste universo dolorosamente caótico?
No meu entender, a cadeira do Ministério da Saúde estará vaga enquanto não for ocupada por um profissional com profundos conhecimentos na área de planejamento e de gestão. Alguém que ao mesmo tempo tenha dedicação integral ao cargo e coragem suficiente para não se engajar em aparelhamentos corporativistas.
No Brasil, cito a Fundação Pró-Sangue/Hemocentro de São Paulo. A equipe médica valorizou o setor administrativo, iniciado nesta entidade pelo dr. José Luiz Portella Pereira, e uma equipe altamente qualificada em planejamento e gestão é, hoje, reconhecida internacionalmente pela Organização Mundial de Saúde que, vistoriando a Pró-Sangue, classificou-a de centro de Primeiro Mundo.
Na França, o Ministério da Saúde vincula-se a um órgão dirigido pela dra. Simone Veil, bacharel em direito. A ministra Simone Veil foi a autora da lei que regulamentou o aborto e definiu, apoiada em equipe médica de alto gabarito normas de qualidades e segurança para o sangue.
No Brasil, o Ministério da Saúde até poderia, em tese, ser dirigido por profissionais não-médicos, como ocorre na França, Bélgica e outros países do chamado Primeiro Mundo, desde que o assessoramento se faça por médicos competentes e sobretudo com a vivência local e diuturna dos problemas de saúde.
É fundamental que não se dilua o Ministério da Saúde vinculando-o a outro que também atue na ação social. Aqui, a saúde deve ser uma das prioridades máximas em virtude de nossa população enferma, diferentemente da França e de outros países desenvolvidos.
Um médico pode evidentemente dirigir a saúde no país. Mas, para isso, tem de se dedicar de modo integral, não dicotomizando as atividades ministeriais com atividades da prática médica. Sobretudo deverá estar preparado para assumir determinadas posições sabendo que poderá entrar em confronto com os colegas de profissão.
O Brasil também precisa de um dirigente corajoso e capacitado, de confiança do presidente, com respaldo maior para lutar pelo orçamento e para promover uma mais que urgente intervenção administrativa no setor da saúde.
E a condição básica para o sucesso desta operação é o compromisso de aliança com diversos profissionais da administração e cientistas da mais alta qualidade e que conheçam profundamente a realidade brasileira, vivenciando aqui no país os problemas da saúde.

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