São Paulo, terça-feira, 8 de novembro de 1994
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Conquistas feitas e por fazer

Três mulheres concordam que a "época de ouro" ainda não chegou
Isabel Allende é filha do ex-presidente do Chile Salvador Allende, morto no golpe de Estado de 1973. Forçada ao exílio em 1974, Isabel só voltou ao Chile em 1988, depois de ter escrito o best seller "A Casa do Espíritos".
Yael Dayan é filha de um dos fundadores do Estado de Israel, Moshe Dayan. Fez seu nome lutando pela paz como deputada do Partido dos Trabalhadores, no Parlamento de Israel. É também uma líder feminista em seu país.
A primeira-ministra da Turquia, Tansu Ciller , formou-se em economia nos EUA. Aos 47 anos, Ciller foi eleita à frente do partido da Voz Justa (direita moderada) em junho de 1993 e nomeada primeira-ministra pouco tempo depois.

Quais são as conquistas das mulheres nos últimos 15 anos?
Allende - Criar uma consciência universal sobre os problemas do sexismo, estimular a educação das mulheres e fazer a informação chegar aos lugares mais remotos do planeta. O mundo que herdam minhas netas é muito diferente do que eu vivi. Minha geração conseguiu muitos avanços, mas ainda falta muitíssimo. Estamos no começo.
Dayan - Nas duas últimas décadas, as mulheres desenvolveram um discurso feminista com linguagem e valores que não derivam da dominação patriarcal. Hoje, elas estão seguras de sua igualdade e prontas a assumir suas diferenças. A representação das mulheres no governo aumentou, até em países em que a religião impõe a dominação patriarcal. Principalmente, o poder econômico das mulheres cresceu no Ocidente –o que ainda é a chave para a igualdade e a liberdade.
Ciller - Acho que elas aprenderam sobretudo a se afirmar. Engajam-se mais em campos novos, como os negócios, a indústria e a política. Estão melhor instruídas e tratam de igual para igual com os homens com que trabalham. Nossa democracia laica permite e as encoraja a se interessarem por todos os aspectos da sociedade.

O que ainda falta conseguir?
Allende - Educação, saúde e independência econômica para todas as mulheres. As que já conseguiram isso são só um grupo privilegiado nas zonas urbanas de países industrializados. Cerca de 90% das mulheres do mundo vivem no atraso, na pobreza e na dor. São as mais pobres dos pobres. Ainda são vendidas como escravas, mutiladas, torturadas, exploradas, prostituídas, obrigadas a servir maridos que não amam e a ter filhos que não desejam.
Dayan - O progresso das mulheres em direção da igualdade e da independência causou grande resistência entre os homens –a violência contra a mulher está no topo, o sistema educacional reafirma as desigualdades, o sexismo está aumentando e o mundo masculino, cada vez mais sentindo a perda de sua dominação e a necessidade de dividir com as mulheres, está mais violento.
Ciller - Resta sobretudo um obstáculo que impede as mulheres de fazerem crescer seu papel na sociedade, a independência econômica. Principalmente para as mulheres que vivem nos meios rurais. Para remediar essa situação, eu criei um novo programa: propomos empréstimos com baixas taxas de juros para mulheres que qeuiram criar suas empresas.

Quando ouve as pessoas dizerem que esta é a "época de ouro" das mulheres, o que você pensa?
Allende - Quem diz isso? Os homens? O mundo começa agora a ter consciência dos problemas das mulheres. Época de ouro? Por favor! Ainda estamos na Idade da Pedra.
Dayan - Não acredito que a época de ouro tenha chegado, nem mesmo a de prata. As coisas ainda se conseguem de favor e não por direito. As mulheres não estão conscientes de sua igualdade, e precisam aprender ainda a enfatizar sua diferença. Decisões militares, políticas e econômicas são definidas até pelas mulheres como "terreno dos homens".
Ciller - Acho que ainda estamos longe dessa época áurea, não importa em que lugar do mundo. Mas fizemos progressos quanto à igualdade entre os sexos, é indiscutível. As mulheres na política dão exemplo a outras mulheres.

Como avalia a situação da mulher no seu país?
Allende - As mulheres chilenas são excepcionalmente fortes, organizadas e perseverantes, mas as leis, a cultura e a religião não as ajudam muito. É um dos poucos países do mundo onde não existe o divórcio. As mulheres são muito ativas na política, mas têm uma presença insignificante no governo. Quase todas trabalham, mas raras em postos de direção. Poderia dar muitos exemplos como esses. Têm a vantagem de o Chile ser um país com um alto nível de educação e muito politizado, de modo que se podem esperar mudanças em um período relativamente curto.
Dayan - A situação das mulheres em Israel é parecida com a das norte-americanas e européias, um pouco pior que a das escandinavas e melhor que a das mulheres do mundo em desenvolvimento. O problema em Israel é que começamos de um ponto alto –antes da independência e nos primeiros anos do Estado– e então veio a regressão. O declínio da posição da mulher em Israel é influenciada principalmente pelas prioridades e as "vacas sagradas" do país. Segurança, religião e países patriarcais de onde é originária a maioria da população.
Ciller - De um modo geral, eu diria que não há muita diferença entre a situação das mulheres turcas e das ocidentais. Entretanto, poderia ser melhor. No plano jurídico, não há problema. É nos domínios da educação e do trabalho que deveríamos progredir agora. O desenvolvimento do setor de serviços na Turquia criou novos empregos interessantes. A política também é um domínio que interessa muito as mulheres. Elas deveriam ser mais presentes no Parlamento.

Quais foram os principais obstáculos que teve que ultrapassar para conseguir o sucesso?
Allende - Antes de tudo, tive que criar meus filhos e manter uma família. Não pude me dedicar à literatura até os 40 anos, quando meus filhos já estavam crescidos. Tive também que vencer minha própria insegurança e os preconceitos intelectuais e culturais. Custou muito para que me levassem a sério. Mas não posso reclamar, até que me saí bem.
Dayan - Os homens vão manter grandes obstáculos para assegurar sua posição. Talvez depois que tenhamos paz, o poder da religião diminua e uma nova geração livre das tradições de seus países de origem possa se comportar de outra maneira.
Ciller - Por mais estranho que possa parecer, eu não tive realmente nenhum obstáculo para ultrapassar. É um dos aspectos mais interessantes da Turquia moderna: as pessoas são julgadas por sua qualidade pessoal e não por seu sexo. Quanto a isso, os turcos são abertos e imparciais.

Como descreveria seu papel em seu país?
Allende - Amo muito o Chile, é minha casa espiritual, o lugar onde se nutrem minhas pobres raízes. No momento não posso viver lá, mas cada vez que vou tento levar um sopro de ar fresco e irreverente, dar alegria e entusiasmo, principalmente para as mulheres.
Dayan - Não sou um "resultado" da luta feminista. O feminismo para mim faz parte da luta pelos direitos humanos. É por isso que não me falta autoconfiança. Não sou chorona e tenho orgulho de minha feminilidade. Adoro a cozinha e meu papel de mãe, e não tenho frustrações nesse sentido. Não consigo separar a luta por paz e igualdade de um outro povo da luta por igualdade da mulher.
Ciller - Enquanto primeira-ministra tenho uma missão a realizar. Consiste em ir mais longe na modernização do país, fazer nossos cidadãos mais prósperos e levar adiante o processo de democratização. Gostaria que a História se lembrasse de mim como aquela que fez a Turquia entrar no século 21 como um dos primeiros países do mundo.

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