São Paulo, terça-feira, 8 de novembro de 1994
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Meninas sofrem tortura e pena de morte no Irã

BETTY MAHMOODY
ESPECIAL PARA O "WORLD MEDIA"

Quando desci do avião no aeroporto internacional de Teerã, em 3 de agosto de 1984, tive o maior choque cultural de minha vida. Para qualquer lado que olhasse, via e sentia a opressão das mulheres envoltas em seus "chadors" longos e pretos.
Dez anos mais tarde –em 12 de maio de 1994–, participei de uma reunião do Grupo Congressional de Direitos Humanos, em Washington, D.C. O tema do encontro era a perseguição de mulheres e crianças no Irã. Os testemunhos, carregados de emoção, levaram dezenas de ouvintes às lágrimas.
Os testemunhos diziam respeito a mulheres de todas as idades. Quando as meninas iranianas chegam aos seis anos de idade, o Ministério da Educação determina o estilo e a cor das roupas que terão que vestir. Suas vestes, longas e retas, têm que cobrir o corpo inteiro, deixando de fora apenas o rosto e as mãos. As cores são preto, marrom, cinza ou azul marinho.
As mulheres iranianas não podem viajar, trabalhar, assistir aulas numa universidade ou sequer visitar suas amigas ou parentes sem o consentimento expresso do marido.
Uma declaração do presidente iraniano, Hashemi Rafsanjani, confirma essa atitude repressiva: "As diferenças de altura, robustez, voz, crescimento, características musculares e força física entre homens e mulheres mostram que os homens são mais fortes e mais capazes em todos esses campos", afirma o presidente. "Os homens tendem ao raciocínio, enquanto as mulheres tendem basicamente a ser emotivas. Essas diferenças afetam a delegação de responsabilidades, deveres e direitos."
Os líderes religiosos iranianos são igualmente repressores. "A tarefa específica das mulheres é casar e ter filhos", diz o aiatolá Mutahari. "Elas serão desencorajadas a seguir carreiras no legislativo ou no judiciário, ou em qualquer outra profissão que exija tomada de decisões, pois falta às mulheres a capacidade de discernimento."
A legislação referente à família mudou drasticamente sob a vigência da lei islâmica iraniana. As mulheres têm que viver onde seus maridos desejam. Uma mulher casada tem que estar sempre e incondicionalmente disposta a satisfazer as necessidades sexuais de seu marido. Se ela se recusar, perde qualquer direito a moradia, alimento e roupas.
A poligamia é incentivada. Quatro esposas oficiais são permitidas e o homem pode ter quantas "esposas provisórias" quiser. Em defesa deste estilo de vida, o aiatolá Ghomi argumenta: "A maioria dos homens europeus tem amantes. Por que devemos reprimir os instintos humanos? Um galo satisfaz várias galinhas, um garanhão várias éguas. As mulheres ficam indisponíveis durante determinados períodos, enquanto o homem é sempre ativo."
O homem pode divorciar-se de sua mulher sem o conhecimento desta, e sem dar a ela qualquer pensão alimentícia ou outra. Quanto à guarda dos filhos nos casos de divórcio, o período durante o qual a mãe tem direito à guarda é até os dois anos de idade, no caso dos meninos, e até os sete para as meninas. Terminado esse período, os filhos são devolvidos ao pai e a mãe perde o direito de visitá-los.
Segundo Hojatoleslam Imani, líder religioso de Poldokhtar, Keyhan: "Uma mulher deve suportar qualquer violência ou tortura imposta a ela por seu marido, pois ela está à inteira disposição deste. Sem autorização do marido a mulher não pode sair de casa, nem mesmo para praticar atos de caridade. Senão suas orações não serão aceitas por Deus, e as maldições do céu e da terra cairão sobre ela."
As consequências destes ensinamentos são aterradoras. Uma garota iraniana de nove anos, acusada de escrever uma declaração contrária ao "regime", foi tirada de sua escola e apresentada ao aiatolá. "Ela tem idade suficiente para rezar, para jejuar e para se casar. Matem-na!", ele disse.
Matar uma criança não é castigo suficiente. As meninas condenadas à morte não podem sofrer seu castigo enquanto forem virgens, senão não há certeza de que irão para o inferno. Assim, são sistematicamente estupradas antes da execução da pena. A menina de nove anos em questão foi desvirginada à força. Quando foi vendada e as balas começaram a ser disparadas, gritou para sua mãe, forçada a assistir: "Mãe, mãe, onde você está? Me ajuda! Por que você não vem me ajudar?"
Depois de formar-se pela Escola de Medicina da Universidade de Teerã, Homa Darabi trabalhou por dois anos numa cidadezinha no norte do Irã. Em 1968 foi aos EUA, onde se especializou em psiquiatria pediátrica. Em 1976 retornou ao Irã na condição de defensora da revolução islâmica, e foi nomeada professora da Escola de Medicina da Universidade de Teerã. Nessa época, meninas adolescentes estavam sendo presas por usarem batom ou qualquer outra maquiagem. A médica era pressionada pelos pais dessas adolescentes a declarar suas filhas "mentalmente incapacitadas", para evitar que fossem torturadas.
Em 1990, porque desobedeceu as normas islâmicas de uso do "hejab" (véu), ela foi demitida da universidade, forçada a fechar sua clínica e a tornar-se dona de casa. No dia 21 de fevereiro de 1994, Homa Darabi foi à praça Tajrish, na zona norte de Teerã –a mesma praça onde um mês antes uma garota de 16 anos enfrentara um pelotão de fuzilamento por haver usado batom. Homa retirou seu véu, derramou gasolina sobre suas vestes e ateou fogo em seu corpo. Seus últimos gritos foram "Abaixo a opressão. Viva a liberdade. Viva o Irã".
O Irã não é o único país cujas leis desrespeitam as mulheres. Segundo o Comitê Francês de Intelectuais pela Liberdade, um grupo de direitos humanos com sede em Nova York, "Tlemcen, na Argélia, a facção mais radical do movimento fundamentalista islâmico, anunciou em fevereiro de 1994 que qualquer mulher vista em público sem o 'hejab' exigido pela ortodoxia muçulmana pode e deve ser morta".
No dia 28 de fevereiro de 1994 este decreto foi concretizado, com o assassinato de uma moça de 17 anos a caminho da escola. Pouco depois duas outras mulheres foram mortas. Alguns dias depois do decreto, as mulheres argelinas já estavam usando o véu. Elas sabem que não têm escolha, se quiserem viver.

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