São Paulo, terça-feira, 8 de novembro de 1994
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A empresa-cidadã

FERNANDO BEZERRA

O relacionamento entre o empresariado e a sociedade tem evoluído muito no Brasil. Há algumas décadas, vivíamos aquilo que se convencionou chamar de "capitalismo selvagem". No período da quase onipresença do Estado na economia e do crescimento a taxas astronômicas, até que a expressão fazia algum sentido. Afinal, o importante naquela fase era aproveitar o surto desenvolvimentista e capitalizar as empresas. Depois se pensaria no resto.
Com a redemocratização do país, os empresários passaram a se movimentar com mais desenvoltura. Se no período militar eles só deveriam dar satisfações à esfera estatal que tudo controlava, aos poucos foram obrigados a se comunicar, também, com outros públicos.
A movimentação sindical do final da década de 70 colocou um novo componente na vida empresarial: os trabalhadores, com os quais pouco se negociava.
Com o crescimento da importância do Legislativo, abriu-se um novo canal com o Congresso. Durante a elaboração da Constituição de 88, os empresários foram obrigados a explicitar a sua visão de mundo e a sua concepção de sociedade.
Naquela época, a discussão de fundo que permeava o trabalho constituinte era a que opunha estatização à privatização. Apesar dos ventos liberais que varriam o mundo, optou-se por uma Carta rígida, que estabelecia monopólios e privilégios ao Estado, de um lado, e conferia aos cidadãos uma série de benefícios sociais que, embora evidentemente justos, não poderiam ser operacionalizados por um Estado às voltas com um déficit crônico. Foi uma Constituição generosa, sem dúvida, mas que ficava nas boas intenções.
Os empresários, para fortalecerem a idéia de que a livre iniciativa era preferível à inércia estatizante, defendiam a tese da função social da empresa. Essa idéia representava um expressivo avanço em relação ao tempo do "capitalismo selvagem", quando as unidades produtivas se voltavam para dentro.
A empresa existe e faz sentido, argumentava parcela expressiva do empresariado, porque ao produzir está cumprindo uma função social que extrapola o plano propriamente produtivo.
Ou seja, na medida em que a empresa emprega, gera impostos e lucra, ela está automaticamente ajudando a sociedade a se desenvolver. Era preciso, então, lutar para criar mais empregos –e isso seria realizado através do investimento dos lucros, que deveriam ser necessariamente direcionados à esfera produtiva e não à especulação financeira.
Caberia também aos empresários fiscalizar a ação do Estado, para que os impostos pagos se revertessem em prol dos cidadãos.
É evidente que essa posição era um avanço em relação à fase anterior. Mas, pouco a pouco, as empresas perceberam que só isso não era o suficiente. Com o aumento dos problemas sociais e a incapacidade do Estado em solucioná-los –não é por acaso que as pesquisas de opinião mostram a saúde, educação e segurança como principais preocupações dos brasileiros–, algumas empresas passaram a enfrentar diretamente o problema, transformando-se em verdadeiras empresas-cidadãs.
E o que os empresários passaram a fazer? Além de sua função social mais "natural" –gerar empregos, impostos e lucros para reinvestimento– e da contribuição expressiva que dão a entidades mantidas pela iniciativa privada (como Sesi/Senai e Sesc/Senac), passaram a realizar esforços no sentido de resolver, eles mesmos, problemas sociais gravíssimos que afetam a comunidade.
Hoje, vemos empresas construindo e mantendo hospitais, creches, escolas e oferecendo à sociedade aquilo que o Estado tem cada vez mais dificuldade para suprir.
Como empresário já há algum tempo e senador estreante, acredito que iniciativas desse tipo devem ser estimuladas. Algum tipo de lei, nesse sentido, deve ser estudada.
Ao Estado interessa, é evidente, ter parceiros na promoção da justiça social. Assim como interessa às empresas melhorar sua imagem e contribuir para a melhoria das condições de vida da população.
Sem demagogia e com muito trabalho, acredito que esse seja um caminho interessante para começar a resolver um conjunto de mazelas que colocam o Brasil nas últimas –e vergonhosa– posições das listas de indicadores sociais que se publicam pelo mundo.

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