São Paulo, quarta-feira, 9 de novembro de 1994
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A hora das feras

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Daqui até a posse do novo governo, o grande assunto será a armação do futuro ministério, correndo por fora, como fofoca, "the president in love", ou, mais domesticamente, mineiros não são mais aqueles, deixaram de comer quieto, fazem um barulho danado quando enfrentam um tiragosto.
FHC já começa mal, repetindo o erro de seus antecessores. Anunciou que um de seus amigos será "alguma coisa" ou "qualquer coisa" no primeiro escalão.
Não vem ao caso discutir o grau e o gênero do indicado, dá-se de barato que seja probo e competente para qualquer coisa ou para alguma coisa.
Acontece que com Sarney, Collor (tirante seu último e desesperado ministério) e Itamar, o time de notáveis que vem subindo ao pódio arrebentou com a credibilidade do governo como um todo. O risco quem corre é o próprio FHC e a nação. Nomear amigos, pessoas chegadas, com um passado de serviço e lealdade ao novo mandarim, na melhor das hipóteses é temerário.
Lembro o exemplo de João Saldanha, que nunca chegou a presidente de coisa alguma, mas foi preparador da seleção brasileira para o Mundial de 1970, do qual saímos com o tricampeonato.
Prevalecia na política do futebol escolher titulares e reservas na base de indicações das federações, dos grandes jornais, dos cartolas mais influentes.
João Saldanha derrubou a prática ancestral e procurou aquilo que ele chamou de "feras". Não houve plebiscito nem pesquisa de opinião, mas os 22 que Saldanha escalou estavam na boca no povo, eram craques que o torcedor conhecia, admirava e, gostando ou não deles por motivos de clube ou Estado, admitia que eram os melhores.
Foi esse, por sinal, o recurso que Collor procurou usar na hora do desespero. Mas era tarde. Ele foi deposto por causa de seus amigos do peito. A mediocridade do governo de Itamar tem uma explicação: a mediocridade de sua roda de amigos. A única exceção nesse quadro modorrento e provinciano foi FHC –que afinal não era de sua roda íntima.
PS – Não dá pra entender um presidente que manda avisar a imprensa que vai sair com uma moça e, depois, se declara "bloqueado psicologicamente". Esse tipo de bloqueio é conhecido, aqui no Rio, por outro nome.

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