São Paulo, quarta-feira, 9 de novembro de 1994
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Velhice precoce

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA – Principal cabo eleitoral de FHC na fase de campanha, o real transforma-se agora em seu maior algoz. A 52 dias da posse, o novo presidente experimenta o seu primeiro dilema importante depois da eleição.
FHC sente-se impelido a interferir na gestão do real. Mas receia que Itamar Franco se melindre. Teme também reações destemperadas de Ciro Gomes, muito cioso de sua autoridade como ministro. O fato é que estão todos, técnicos e políticos, tensos com o comportamento da inflação. O índice acima de 3% está sendo considerado perigosamente insatisfatório.
Parte da equipe econômica queixa-se pelos cantos. Reclama de uma certa perda de autonomia. Quando o ministro da Fazenda era o próprio FHC, os técnicos pintavam e bordavam. O esquema sobreviveu à primeira troca de ministros. Com Ciro Gomes tem sido diferente.
O atual ministro tem um estilo próprio de trabalho. Raramente diz "amém". E nem sempre, na opinião dos técnicos, toma a melhor decisão. Os economistas recrutados por FHC temem que, ao tentar imprimir uma marca pessoal à gestão do plano, Ciro acabe prejudicando mais do que ajudando.
Como previsto, o Plano Real, longe de estar consolidado, reclama maiores cuidados. E a vinculação de FHC com o governo e com a nova moeda, um trunfo durante a campanha, começa a transformar-se num fardo.
O real foi concebido com dois objetivos básicos: o primeiro era o de estabilizar a economia; o segundo, o de eleger FHC. As metas foram atingidas apenas parcialmente. Falta-nos a estabilidade duradoura.
Durante a campanha, FHC vendeu a ilusão da calmaria econômica. Agora, corre contra o tempo. O ideal seria que pudesse tomar posse amanhã.
Mas o calendário o submeterá a uma convivência de quase dois meses com um presidente que só pensa em namorar e com um Congresso que, em fim de carreira, também foge do batente.
O problema do novo presidente é que ele será sucessor de si mesmo. Ninguém responsabilizará Itamar por eventuais problemas. A culpa será sempre do próprio FHC.

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