São Paulo, quarta-feira, 9 de novembro de 1994
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Dificuldades

ANTONIO DELFIM NETTO

É um fato corriqueiro. Em todos os programas de estabilização de preços que utilizam a taxa de câmbio nominal como âncora auxiliar a taxa de câmbio real se valoriza lentamente.
É a sua valorização paulatina que vai criando tensões crescentes para a moderação dos preços e os salários.
No caso brasileiro, a pressa para pôr em funcionamento efetivo a âncora auxiliar levou a uma overdose: antecipamos a redução tarifária e estabelecemos uma flutuação prematura que "valorizou" o real em 15%.
Como até o fim de outubro a inflação deve andar em torno de 16%, temos que a valorização do real com relação à taxa de câmbio vigente em 30 de junho deve ter sido da ordem de 30% para os exportadores e quase 40% para os importadores (devido à redução tarifária média de 14% para 10%).
A valorização substancial da moeda nacional nos programas razoavelmente bem-sucedidos (Argentina e México) levou de 12 a 18 meses para se realizar.
Aqui foi feita instantaneamente, o que provavelmente significa que antecipamos as dificuldades.
No caso brasileiro, talvez haja alguma vantagem porque partimos de um saldo ligeiramente positivo no balanço de conta corrente se levarmos em conta a redução da conta de juro da dívida externa.
O caso argentino é típico. O sucesso no combate à inflação foi fantástico (em 1994 a taxa de inflação deve ser da ordem de 4% e a taxa de juro real é de 3,75% ao ano).
O aumento do consumo no primeiro ano do plano (12%) foi se acomodando e em 1994 ele não deve passar dos 4%.
Infelizmente, o mesmo aconteceu com a taxa de crescimento do PIB, que vem decrescendo ano a ano (por falta de investimento privado) e em 1994 deve chegar a 4%.
A fúria reformista parece ter terminado com a venda dos ativos governamentais para pagar gastos de custeio. Agora o progresso é mais lento.
A taxa de desemprego passou de 6% em 1991 para quase 11% em 1994. O problema é que o país está vivendo o quarto ano consecutivo de déficits crescentes em conta corrente (em 1993 o déficit foi de quase US$ 9 bilhões e em 1994 antecipa-se um déficit em torno de 4% do PIB), que dificilmente podem ser considerados como "sustentáveis".
Itamar não sabe, mas o maior presente que deu a Menem foi a sobrevalorização do real!
O caso mexicano não foge à regra. O agravante é que a sobrevalorização da moeda mexicana está comprometendo o crescimento. O PIB "per capita" e a produção industrial estão estagnados desde 1993.
Em 1993 o PIB cresceu 0,4% e em 1994 espera-se um crescimento de 2,5%. O controle da inflação também foi um sucesso (8% em 1993 e 6% em 1994 com uma taxa de juro real de 7,5% ao ano).
Os sucessivos déficits em conta corrente (mais de US$ 20 bilhões por ano entre 1991 e 1993 e estimado em 7% do PIB em 1994) também dificilmente podem ser considerados "sustentáveis".
Discute-se abertamente que depois das eleições é preciso desvalorizar a moeda. O que resta saber é se o programa antiinflacionário e o "pacto" sobreviverão a tal medida.
Por que anteciparmos tais dificuldades?

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