São Paulo, sexta-feira, 11 de novembro de 1994
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'Pátria Minha' sofre nova notificação

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

Mais três organizações paulistas resolveram contestar judicialmente a novela "Pátria Minha", de Gilberto Braga, que a Globo exibe às 20h45.
O Instituto do Negro - Padre Batista, o sindicato dos artistas e o Núcleo de Consciência Negra entraram ontem na Justiça Federal, em São Paulo, com uma notificação contra a emissora e o autor.
As organizações afirmam que a novela deu uma informação incorreta e querem que os "responsáveis pelo erro" o corrijam.
No capítulo do último sábado, um dos personagens de "Pátria Minha", o advogado Osmar (Nuno Leal Maia), conversava com o jardineiro Kennedy (Alexandre Moreno), jovem negro que sofrera insultos racistas do patrão, Raul Pelegrini (Tarcísio Meira).
Durante a cena, Osmar comentou que o Brasil possui uma lei anti-racismo, a Afonso Arinos.
Eis o erro: a lei Afonso Arinos, que começou a vigorar no dia 3 de julho de 1951, não existe mais. Foi revogada pela Constituição de 1988 e substituída, em janeiro de 1989, pela lei federal 7.716.
A Afonso Arinos definia o racismo como contravenção penal. Quem o cometesse teria que pagar multa em dinheiro ou poderia ficar preso por até um ano.
Mais rigorosa, a Constituição de 88 passou a classificar o preconceito racial como crime inafiançável e que não prescreve com o tempo.
Proposta pelo deputado negro Carlos Alberto de Oliveira, o Caó, a lei 7.716 surgiu logo depois para definir a pena contra os praticantes de racismo: reclusão de dois a cinco anos.
"Se não corrigir a informação, a novela contribuirá para a perpetuação do preconceito racial e do sentimento de impunidade que move os racistas", avalia a advogada Maria da Penha Guimarães, representante das organizações que estão notificando judicialmente a Globo e Gilberto Braga.
A notificação invoca o artigo 3º do Código Civil: "Ninguém se escusa de cumprir a lei alegando que não a conhece."
"A emissora e o autor não poderiam, portanto, passar a informação errada. É obrigatório que conheçam a lei 7.716", interpreta a advogada.
Depois de receberem a notificação, a Globo e Braga terão 72 horas para corrigir a informação na novela. Se não o fizerem, precisarão justificar-se judicialmente.
Caso não se justifiquem, as três organizações ameaçam ingressar com uma ação indenizatória por danos morais e materiais. O alvo: Globo, Gilberto Braga e a União, uma vez que a emissora é concessão do Estado.
No início da semana, o Geledés/SOS Racismo, grupo de São Paulo que luta pelos direitos dos negros, também decidiu recorrer à Justiça contra "Pátria Minha". Alega que a novela está ferindo a "auto-estima da comunidade negra".
Outro lado
"Prefiro não comentar mais nada sobre o assunto. Só digo que nossa intenção não é perpetuar o racismo, mas denunciá-lo. Lamento –e acho exótico– que as organizações apelem à Justiça exigindo a correção de uma informação que não agride o direito de ninguém", diz Sérgio Marques, porta-voz dos autores da novela.

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