São Paulo, sexta-feira, 11 de novembro de 1994
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Na mesma

É quase como o enredo de um filme. A Polícia Federal se prepara para uma operação de apreensão de drogas e armas na favela de Vigário Geral. Desloca-se até o local na zona norte do Rio e, pronta para enfrentar traficantes, depara-se apenas com policiais civis, que coincidentemente haviam ocupado a mesma favela, com o mesmo objetivo, poucas horas antes. Sem armas nem drogas, apenas um "gerente de boca" é preso.
Esse flagrante desencontro revela a ausência de um mínimo de coordenação nos trabalhos dos órgãos ligados à segurança pública –coordenação, aliás, que deveria ser umas das finalidades do acordo de ação conjunta das Polícias Civil, Militar e Federal e as Forças Armadas contra o narcotráfico e a violência.
O porta-voz do Exército, em entrevista publicada ontem nesta Folha, ressaltou que a operação conjugada no Rio não pretende integrar todas as ações das diversas forças envolvidas, mas apenas algumas. Trombadas como a de Vigário Geral esta semana, porém, constituem um desperdício de esforços que a escassez de recursos e a gravidade da situação tornam particularmente injustificável.
O mesmo episódio levanta ainda sérias suspeitas. Dado o notório envolvimento de parte das forças de segurança no Rio com o tráfico organizado, não deixam de ser sugestivas as informações de que os traficantes de Vigário Geral coincidentemente retiraram seu arsenal da favela na noite anterior à das malfadadas operações policiais.
A falta de cooperação, as ações desencontradas e as suspeitas de corrupção somam-se à entrega de algumas armas pelos traficantes –a maioria enferrujadas– e à morte de mais um rapaz pela Polícia Militar em circunstâncias ainda não esclarecidas, após a qual um tenente da corporação esbravejou: "Já matei um lá em cima, mato mais aqui. Lugar de favelado é no morro". Em meio à renovada visibilidade do combate à violência no Rio, a sensação que fica é de que até agora, de concreto, muito pouco mudou.

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