São Paulo, sexta-feira, 11 de novembro de 1994
Texto Anterior | Índice

"Peixe na Água"

JOSÉ SARNEY

Mario Vargas Llosa virá ao Brasil em dezembro a convite da Folha e da Companhia das Letras, que estará lançando, na próxima semana, "Peixe na Água", o mais recente livro do escritor peruano.
Vargas Llosa faz um relato entrecruzado de sua experiência política, que durou três anos, como candidato à Presidência da República do Peru, e de sua infância e adolescência, quando viu surgir sua vocação de escritor.
As reflexões de Vargas Llosa estão a pedir alguns comentários acerca da relação do intelectual com a política e de seu engajamento ético.
O termo "intelectual", aliás, surge na França durante uma dramática tomada de posição de Emile Zola em favor de um oficial do Exército acusado de alta traição pelo Estado-Maior.
Zola publica, então, o famoso libelo "J'accuse", engajando todo o seu prestígio contra uma injustiça inominável, interferindo decisivamente no "affaire Dreyfus", que dividia a França em dois campos antagônicos.
A relação da política, não só com o escritor de modo geral, mas também com a literatura, sempre foi problemática, complexa.
Marx, por exemplo, não dissimulava sua admiração pela obra de Balzac, considerando-a o melhor retrato, no plano literário, da sociedade burguesa –não obstante fosse o autor de "Le Père Goriot", no plano pessoal, monarquista e católico ultraconservador.
É que a obra de arte goza de autonomia relativamente às convicções de seu autor.
Há uma certa sensação de fracasso no balanço proposto por Vargas Llosa, embora reconheça ele que no período de sua candidatura presidencial muito tenha visto, ouvido, feito e aprendido, extraindo daí uma experiência inestimável.
Assim, em entrevista à Folha, referindo-se a seu aprendizado, declara:
"Um escritor jamais tem essa sensação de que esta é a vida se fazendo, a história em pleno processo de gestação, como tem alguém que está numa campanha política, quando uma decisão gera consequências na vida de tantas pessoas."
No entanto, Mario Vargas Llosa, peruano, grande escritor, ex-candidato à Presidência de seu país, soube, com lucidez, recuperar, no plano da arte, sua experiência político-eleitoral "malograda", refugiando-se no campo que ele tão bem conhece: a literatura.
É ainda ele quem afirma: "As experiências nevrálgicas em minha vida se convertem numa necessidade imperiosa de escrever".
E se a política, no sentido estrito do termo, ganhou um desencantado, ganhamos, por outro lado, todos nós, um Mario disponível para continuar a oferecer-nos belíssimas obras.
É o peixe nadando em suas águas. As águas da escrita. O seu elemento.

Texto Anterior: O Rio e o mundo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.