São Paulo, domingo, 13 de novembro de 1994
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Aposta no bom jornalismo

LUIZ CAVERSAN
DIRETOR DA SUCURSAL DO RIO

Em sua coluna de domingo passado o ombudsman da Folha teceu algumas considerações equivocadas sobre a cobertura da operação de combate à violência no Rio de Janeiro.
Como, ao contrário do ombudsman, o leitor da Folha não tem a obrigação de ler o jornal todos os dias, são necessários alguns reparos para que não se estabeleça a desinformação.
O ombudsman diz, a horas tantas de suas ilações sobre a morte de 13 pessoas pela polícia, dia 18 de outubro na favela de Nova Brasília, que "o público desconhece se foram realizadas autópsias nos 13 mortos (...); se feitas, que resultados tiveram".
Não é verdade. Em sua edição do dia 21 de outubro, à pag. 3-1, a Folha revelou com exclusividade que, dos 13 mortos, nove levaram tiros na cabeça. A informação constava, como dizia a reportagem, dos laudos cadavéricos, o documento de autópsia. Mais: os laudos não indicavam a que distância os tiros foram disparados, uma irregularidade apontada pelo jornal.
Portanto, houve, sim, por parte da Folha, a preocupação de fornecer informações as mais completas sobre as circunstâncias das mortes. Aliás, desde o primeiro dia de cobertura: enquanto todos os jornais limitaram-se a noticiar a matança, a Folha mostrou que a ação policial fora uma represália a ataque a uma delegacia.
Tanto que, declaradamente por causa do noticiário da Folha, o governador Nilo Batista resolveu constituir uma comissão para investigar a atuação da própria polícia.
Tal comissão ainda não chegou a conclusão alguma. Mas esta é outra história.
O ombudsman também disse que, em dado momento, na comparação com o noticiário dos demais jornais, a Folha "começava a ficar para trás".
Não vale a pena comentar o procedimento de "O Globo" e do "Jornal do Brasil". O próprio ombudsman anotou acertadamente que estes estavam mais preocupados em pôr "lenha na fogueira da intervenção federal" e engendrar "manchetes enviesadas".
Mas como o ombudsman diz que o concorrente direto da Folha, "O Estado de S.Paulo", mantinha seu noticiário "mais imune", vamos a ele.
Já no primeiro dia o noticiário do concorrente estava permeado de falhas: disse que eram 17 os assassinados (eram 13), que oito deles seram criminosos conhecidos (apenas três tinham ficha criminal) e que uma criança de seis anos fora atingida (a criança tinha três anos).
Ao longo da semana, prosseguiu na mesma linha "imune". Publicou que os favelados de Nova Brasília estavam usando chapas de aço (!) para proteger suas casas, que os traficantes haviam reforçado seu arsenal para enfrentar o Exército, que o Exército infiltrara espiões nas favelas, que traficantes da Rocinha dispararam tiros contra o prédio do comandante das operações contra a violência. Nenhuma destas "informações", devidamente checadas, se confirmou.
Neste mesmo período, a Folha informava em primeira mão que o Exército já intervém em duas favelas do Rio há um ano, que a OAB local iria defender a instauração do estado de defesa, apresentava um quadro detalhado do armamento utilizado pelos criminosos, dizia que o governador do Rio não fora convidado para reunião com o ministro da Justiça.
Também foi a Folha o primeiro jornal a entrevistar um traficante de Nova Brasília, a entrevistar o famoso traficante Flávio Negão, a revelar qual a rota usada para levar armas aos morros, a mostrar como o cotidiano violento contamina a vida das crianças faveladas.
Outro momento de jornalismo sério da Folha fez o ombudsman considerar que o jornal "meteu os pés pelas mãos". Incompreensível. Não se poderia esperar outro procedimento senão destacar em manchete as declarações do governador Nilo Batista, segundo as quais ele iria exigir que o Exército obedecesse limites (constitucionais, legais, de direitos humanos) e que era ele quem mandava na segurança da cidade. Disse e repetiu, não houve qualquer manipulação.
Finalizando suas considerações, o ombudsman afirma que o concorrente tem "desempenho melhor na quantidade de informações" e que não quer ver "a Folha acusada de apostar no fracasso da tentativa de pôr ordem no Rio".
Quanto ao primeiro ponto, o ombudsman verá em relatório enviado diretamente a ele que levantamento detalhado, dia-a-dia, comparando o que publicaram os dois jornais, demonstra exatamente o contrário.
Quanto ao segundo, não há o que temer: se depender dos jornalistas da Sucursal do Rio, a Folha manterá a aposta que sempre fez, não em derrota ou vitória do que quer que seja, mas única e simplesmente no bom jornalismo.

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