São Paulo, domingo, 13 de novembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A gravação

MOACYR SCLIAR

– Você viu que coisa horrível esta história que aconteceu em Porto Alegre? – perguntou ela.
Ele não sabia de nada – não era muito chegado à leitura de jornal – então ela contou:
– Pois o homem convidou a mulher para ir ao apartamento dele. Tiveram relações sexuais e aí discutiram; parece que ela era portadora do HIV.
O cara pegou o revólver e matou a coitada.
Ele não pareceu muito abalado; sentado na beira da cama, nu, examinava o dedão do pé, que estava machucado.
– Você ouviu o que eu disse? – Ela, irritada.
– Claro que ouvi. O sujeito convidou a mulher para o apartamento, ela veio com a história que tinha Aids, ele deu um tiro nela. Qual é o problema?
Ela estava impressionada com a frieza dele. Mas tinha um trunfo:
– Você não sabe do detalhe.
– Que detalhe?
– Ele gravou tudo. Antes de dar o tiro, ligou um gravador e gravou tudo. Até música de fundo havia, música romântica. E ele chamava a pobre de "gata". Você não acha medonho?
– Ele chamar ela de gata? Mas ela era uma gata?
Desconcertada, magoada, ela não sabia o que responder. Ficou um instante em silêncio e então perguntou:
– Você faria isto comigo?
– Isto o quê? Matar você? – Ele riu. – Não sei. Mas a idéia do gravador é boa. Você não tem um aí?
– Para que você quer gravador? – Ela, pálida.
– Para gravar, ora. Vamos gravar a gente fazendo amor. Deve ser interessante.
– E depois? – As lágrimas corriam pelo rosto dela.
– Depois? – Ele, rindo. – Depois a gente vê. Depois a gente vê.

Texto Anterior: Gíria criada por Romário ganha as ruas
Próximo Texto: Verão carioca será movido a funk e bingo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.