São Paulo, domingo, 13 de novembro de 1994
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Harold Brodkey disseca sua odisséia de dor em público

MARCELO REZENDE
DA REDAÇÃO

"Eu tenho Aids. E isso me surpreende." Assim o escritor americano Harold Brodkey revelava aos seus leitores, em artigo publicado na revista "The New Yorker" em junho de 1993, que estava morrendo.
Enquanto parte da comunidade intelectual de Nova York se assustava, por ter mais um membro vitimado pela doença, as pessoas mais próximas de Brodkey se espantavam por um outro motivo: por que um escritor como ele resolveu revelar publicamente seu terror?
Para um leitor de sua obra –inexplicavelmente nunca traduzida no Brasil– toda revelação já é uma forma de surpresa. Nascido em 1930 na cidade de Illinois, no Meio-Oeste dos Estados Unidos, Brodkey é o que poderia ser chamado de um escritor para escritores. Um autor que influenciou decisivamente seus contemporâneos.
Influência iniciada em 1957, com a publicação de "First Love & Other Sorrows" ("O Primeiro Amor e Outras Mágoas"), uma coletânea de contos sobre, quase que invariavelmente, a dor. Homens maduros se lamentando por uma amizade perdida na infância ou pessoas que igualam o amor a uma tragédia.
Depois dos contos, acaba criando uma lenda em torno de si, dedicando-se a um projeto nunca realizado. O romance "A Party of Animals", em que pretendia a construção de uma painel, à maneira de James Joyce, da sociedade americana.
Talvez essa exclusão da paisagem literária americana, em nome da realização de uma obra, contribua para a imagem de um escritor excêntrico, assim como seu amigo Gordon Lish, que reserva uma cuidadosa distância do mundano.
O relato publicado nessa edição do Mais! (ilustrado por desenhos inéditos do artista plástico Leonilson, também atingido pela doença e morto no ano passado, que fazem parte do acervo de Eduardo Brandão) é um retorno violento de Brodkey ao tema de sua doença.
Um desejo de revelar, mais do que a exposição pública de um sofrimento, algo que ele mesmo chamou de "uma odisséia de um ano de combate". A maneira como sua vida termina e é substituída por uma morte diária, que se estende até hoje.
Mas o que o diferencia de outros que fizeram da doença um recurso extremo de vaidade (como o francês Hervé Guibert), é que Brodkey não fala de si. Mas antes de literatura.

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