São Paulo, domingo, 13 de novembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ajuda ao Primeiro Mundo

MARIO VARGAS LLOSA
ESPECIAL PARA "EL PAÍS"

Fiquei comovido ao ver as fotos das 300 barracas erguidas diante do Ministério da Economia e da Fazenda, em Madri, pelos militantes da organização "Plataforma 0,7%" –estudantes e hippies, jovens e velhos, profissionais e donas de casa– que ali acampam para pressionar o governo a dedicar 0,7% do PIB (Produto Interno Bruto) ao Terceiro Mundo.
Eles anunciaram uma greve de fome em apoio a sua causa, e suas declarações e seus cartazes transpiram o mais puro desinteresse, generosidade e idealismo. Desde esta coluna, envio a eles minha gratidão por seu gesto limpo.
É um agradecimento que formulo, não em nome dos países pobres e sim dos ricos, isto é, das grandes democracias ocidentais, que andam urgentemente necessitadas de iniciativas e mobilizações que as dinamizem e enriqueçam moralmente, mostrando aos espanhóis, aos europeus, algo em que muitos já não conseguem acreditar: que a ação cívica e a vida política não estão apenas nas mãos de pessoas inescrupulosas e sedentas de poder. Pelo contrário, essas atividades podem incentivar também a solidariedade, a decência, a imaginação e o altruísmo.
Isto dito, devo dizer também que, se "Plataforma 0,7%" lograr seu objetivo e a Espanha dedicar essa porcentagem da riqueza que produz a ajudar os países pobres, a sorte destes não irá mudar significativamente por isso. E digo mais: o destino deles não se modificaria, essencialmente, mesmo que toda a Europa próspera, os EUA e o Japão decidissem seguir o exemplo da magnífica Dinamarca, que –embora pareça mentira– canaliza para os países em via de desenvolvimento não 0,7%, e sim 3% de seu PIB!
Isso porque, contrariamente ao que acreditam os idealistas, entre uma e outra realidade econômica não existe uma relação de vasos comunicantes. Não é verdade que os países ricos sejam ricos porque os outros são pobres e que a miséria do Terceiro Mundo seja resultado da riqueza do Primeiro Mundo. Isso foi verdade, e de maneira bastante relativa, no passado.
No presente, não o é. E nada prejudica tanto os países atrasados e miseráveis do planeta quanto esta falsa doutrina, que os exonera da culpa por sua condição e transfere toda a responsabilidade pela fome aos países desenvolvidos.
Se fosse assim, não haveria esperança para os países pobres e não lhes restaria outra alternativa senão chorar sua sorte, lançar invectivas contra o malfadado Ocidente, e ao mesmo tempo esperar passivamente que aqueles vampiros que chupam seu sangue se compadecessem, deixassem de fazê-lo e viessem ajudá-los.
A verdade é que, hoje em dia, a pobreza se produz, assim como a riqueza, e que ambas são opções ao alcance de qualquer povo. E que muitos países subdesenvolvidos, devido à infinita corrupção de suas classes dirigentes, à demencial dilapidação de seus recursos e às insensatas políticas econômicas de seus governos, se converteram em máquinas de produzir as condições atrozes de seus povos.
Por exemplo, o desproporcional esbanjamento e as pilhagens cometidas pelos governos populistas conseguiram fazer da Venezuela –que não é um país rico, e sim riquíssimo– uma nação arruinada, onde a maioria das pessoas empobrece um pouco mais a cada dia, enquanto seus milionários mandam seus milhões para o exterior.
Passando a assuntos mais otimistas, qual foi a nação que mais bilionários produziu nos últimos 20 anos? EUA? Japão? Alemanha? Não: o México. Esta estatística, que pode ser positiva (se aqueles bilhões foram ganhos com trabalho honesto) ou sinistra (se resultaram do privilégio mercantilista ou do tráfico político) me foi dada a conhecer há poucos dias por Kevin Rafferty, um jornalista econômico britânico que cobre o Oriente, e que documentou a contrapartida do fenômeno de pauperização do Terceiro Mundo por obra de seus governantes sanguessugas: o formidável desenvolvimento econômico de países como a Coréia do Sul, Taiwan, Hong Kong, Cingapura, Tailândia, Malásia, graças à abertura de suas economias.
A verdadeira ajuda ao Terceiro Mundo não é a dádiva, por mais nobre e bem intencionada que seja a disposição com que é dada. A triste realidade é que, na maioria dos casos, esta ajuda não vai parar na boca dos famintos, nem dos doentes sem hospitais, e sim nos bolsos sem fundos dos Mobutus e Marcos, ou dos chefetes militares que, quando não a roubam e a devolvem aos bancos ocidentais, onde têm suas contas particulares, gastam-na na compra de armas para conquistarem o poder.
O verdadeiro serviço que o Ocidente democrático deve prestar a esses povos tiranizados e saqueados do Terceiro Mundo é ajudá-los a se livrarem dos seus tiranos. E também comercializar com eles, abrindo-lhes as fronteiras que ainda estão fechadas, tanto na Europa quanto no Japão e EUA, a tantos produtos dos países em via de desenvolvimento. É o protecionismo das economias ocidentais e a complacência de seus governos para com os déspotas terceiro-mundistas que é preciso combater.
É esta a mensagem que deve chegar aos povos da África, da América Latina e da Ásia: é possível sair da pobreza e isso depende sobretudo de vocês mesmos. Para deixar de produzir pobreza e começar a produzir riqueza são indispensáveis a legalidade, a liberdade e reformas que transfiram a responsabilidade da produção à sociedade civil, tirando-a das mãos do Estado –sempre a fonte principal de corrupção–, que estimulem a concorrência e a iniciativa individual e abram as fronteiras às forças do mercado exterior, o mecanismo que mais rapidamente saneia e moderniza uma economia, não importa quão primitivo seja seu ponto de partida.
Copyright Mario Vargas Llosa. Os direitos internacionais do texto são do jornal "El País".
Tradução de CLARA ALLAIN

Texto Anterior: Uma perversão fora do lugar
Próximo Texto: Escritor virá a São Paulo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.