São Paulo, domingo, 13 de novembro de 1994
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Cozinheiro de Mao agora tem restaurante

JAIME SPITZCOVSKY
DE PEQUIM

Depois de cozinhar durante 22 anos para o presidente chinês Mao Tse-tung, Han Afu decidiu se aventurar no capitalismo e abriu um restaurante. Do cardápio fazem parte os oito pratos favoritos do primeiro dirigente comunista chinês, que governou o país de 1949 até sua morte em 1976.
Descansando em uma das cadeiras do restaurante, Han Afu, 84, aproveita para lembrar que Mao cultivava carne de cachorro, prato apreciado pelos chineses, como uma de suas iguarias favoritas.
Mas a comida predileta do dirigente comunista era porco assado.
"Mao adorava comer gordura", recorda Han. A preferência deixava o cozinheiro dividido entre seguir as ordens do seu patrão e as orientações dos médicos, preocupados em aliviar a dieta presidencial e proibir receitas gordurosas.
Mas, no fim, sempre prevalecia a vontade do governante, que também não era muito amigo das saladas e rejeitava temperos a base de soja.
Han Afu conta que as exigências de Mao eram poucas e o presidente gostava de "pratos comuns, como um cidadão qualquer".
"Eu ficava mais preocupado quando chegavam visitas de última hora e tinha que preparar tudo correndo", diz o cozinheiro.
Han manejava desde 1953 as panelas e o fogão de olho nas orientações de Mao e observado pelo serviço de segurança.
Relembra o cozinheiro: "Havia a preocupação com eventuais tentativas de se envenenar o presidente, por isso eu sempre experimentava a comida na frente de algum guarda-costas".
Vestindo uma túnica azul-marinho no mais legítimo estilo Mao Tse-tung, Han dirige hoje a cozinha do Zeyuan, nome que resgata os sons dos dois últimos caracteres chineses usados para escrever a denominação da residência oficial em Pequim.
As garçonetes do restaurante vestem camisas brancas e coletes vermelhos como uniforme. Elas não carregam qualquer simbologia comunista.
Zeyuan mostra sinais das transformações que levam a China comunista ao capitalismo. Na entrada do restaurante, uma publicidade de cigarros Marlboro serve para anunciar o Cardápio do dia, enquanto latas de Coca-Cola se empilham na geladeira.
As atrações capitalistas do Zeyuan proporcionam ainda um karaokê, com luzes estroboscópicas e um repertório de mais de mil canções "pop" chinesas. Um som que deve incomodar o busto de Mao Tsetung colocado no meio do salão.
Refeições mais tranquilas, sem o som estridente de cantores ocasionais, acontecem na hora do almoço. Dentro da riqueza da culinária chinesa, o cliente pode escolher uma das especialidades da casa, exatamente os oito pratos favoritos de Mao. Incluem porco assado e sopa de peixe com nabo, por exemplo.
Além dos pratos presidenciais, Han Afu oferece mais atrações chinesas, como carne de cobra, enguia ou tartaruga. Se avaliado pelos preços, o cardápio começa com uma porção de amendoins a 5 yuans (US$ 0,6) e termina com frutos do mar a 168 yuans a porção (US$ 20).
Han Afu avisa que não segue o "livro vermelho" da culinária maoísta a risca, com medo de perder clientela. "Hoje não cozinho com gordura de porco, conforme queria o presidente", revela o cozinheiro. "Uso apenas óleo vegetal, que me parece melhor".

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