São Paulo, domingo, 13 de novembro de 1994
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Imagem de liberal derrota Clinton

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

O grande mistério das eleições de 8 de novembro, que produziram a maior reviravolta política da história dos EUA desde o fim da Segunda Guerra, é: como um governo que tem grande sucesso na economia, como o de Bill Clinton, pode se dar tão mal diante dos eleitores?
Desde que Clinton assumiu a Presidência do país, em janeiro de 1992, o desemprego baixou, a inflação caiu, a poupança aumentou, os salários cresceram, a produtividade subiu e o consumo também.
Na política externa, apesar de vacilos e tropeços, as principais iniciativas da Casa Branca, do Nafta à invasão do Haiti, da paz no Oriente Médio à resistência às ameaças do Iraque contra o Kuait, deram certo.
Por que, então, os eleitores norte-americanos rejeitaram de maneira tão categórica e majoritária o governo de Clinton?
O próprio presidente, um hábil político, deu indícios dos motivos durante a semana. Ele repetiu várias vezes nas suas análises públicas das eleições de terça-feira: o povo está com medo do futuro. O que ele não explica são as razões para esse temor.
A maioria dos norte-americanos receia o futuro porque não confia em seu presidente. Não acreditava em Clinton, acha que ele é mentiroso, não cumpre suas promessas, não tem palavra.
Por isso, embora o discurso e as realizações de Clinton como presidente (e antes como governador de Arkansas) não sustentem esses receios, muitos americanos continuam achando que ele é um liberal dos anos 60, um esquerdista.
Clinton deu motivos para essa falsa impressão a seu respeito: permitiu que o primeiro grande assunto de sua administração fosse a questão dos homossexuais nas Forças Armadas, deixou que sua mulher apresentasse um plano de reformulação do sistema de saúde que cheira a intervencionismo estatal, tentou agradar a ala mais à esquerda de seu partido com indicações para cargos de segundo escalão de pessoas com tendências ideológicas "perigosas" aos olhos da maioria conservadora.
Além disso, durante estes dois primeiros anos, sobraram acusações contra Clinton no terreno ético e moral: infidelidade conjugal, negócios escusos, vaidade, uso indevido do dinheiro público.
Verdadeiras ou mentirosas, as denúncias abalaram o já frágil conceito que muitos americanos tinham sobre o caráter de seu presidente eleito por apenas 43% dos que foram votar em 1992.
A vitória republicana se deve ao maciço apoio obtido em alguns blocos demográficos: homens brancos (63% votaram nos republicanos), religiosos de direita, sulistas e conservadores.
São eles que receiam o futuro. Temem que seus filhos sejam rejeitados nas universidades e nas empresas porque há quotas para negros e outras minorias, que seus empregos sejam tomados por imigrantes ilegais que aceitam qualquer salário, que os valores morais familiares que a seu ver fundaram o país estejam sendo degradados.
Alguns assessores do presidente acham que a derrota acachapante lhe pode ser benéfica. Pode libertá-lo dos compromissos com os liberais do Partido Democrata e permitir que ele seja ele mesmo: conservador e moralista.
Dizem que até 1946 Harry Truman foi prisioneiro das "viúvas" de Franklin Roosevelt e depois da rejeição das urnas naquele ano assumiu seu próprio papel e partiu para a inesperada vitória de 1948.
Pode ser. Mas o fato é que Clinton, apesar de menções a Truman na campanha, assumiu tendo como modelos dois outros predecessores: Roosevelt e Kennedy.
Ambos tiveram grandes vitórias nas eleições no meio dos seus primeiros mandatos, que viabilizaram o restante de suas administrações (no caso de Roosevelt, mais 13 anos de poder).
Para Clinton, essa possibilidaade já acabou. No máximo, agora, ele pode almejar ser um Truman de final de século: um presidente muito admirado pelo seu senso comum e simplicidade, mas que de modo algum modificou a história do país como os grandes ocupantes da Casa Branca.

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