São Paulo, terça-feira, 15 de novembro de 1994
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Sambista defende "coragem" de Braga ao enfocar discriminação

MARTINHO DA VILA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O meu maior sonho como militante das causas negras –ou melhor, como brasileiro– é alcançar o tempo em que não haverá necessidade da existência do movimento negro. Se chegar lá, verei erradicado o racismo no Brasil. Sonhar não custa nada, aconselha um samba-enredo da Mocidade Independente.
Meu filho vai se chamar Preto Ferreira e terá que lutar pelo nome, mas os filhos dele talvez não. Hoje as organizações de defesa da negritude muito se justificam, mas, lamentavelmente, não temos um movimento negro organizado.
Seria bom se tivéssemos uma diretriz única, com um chefe eleito por um conselho formado por representantes de cada segmento de ativistas. Pensávamos em alcançar tal estágio no centenário da Abolição, mas não aconteceu.
Depois que botamos centenas de caras negras na telinha da Globo cantando axé pra todo mundo, naquela alegre mensagem de fim de ano, outras caras negras passaram a aparecer com mais frequência nas novelas, nos comerciais da TV e nas propagandas impressas.
Na novela "Pátria Minha", a personagem da negra Isabel Filardis transou com a do Kadu Moliterno sem sofrer as agressões racistas que atingiram Zezé Mota por contracenar com o Marcos Paulo na novela "Corpo a Corpo". Na atual, a bela Isabel continua namorando um branco e atua como gerente de uma butique famosa, enquanto na vida real podemos dizer que não temos negras nem como vendedoras nos shoppings. É só conferir. Pra trabalhar em butique tem que ter carinha pálida e cabelo liso.
Acho que o Gilberto Braga foi corajoso ao enfocar a discriminação policial e o racismo, motivando o movimento negro de São Paulo a colocar novamente os temas em discussão na Folha –o que é bastante positivo.
Não gostei de ver o jovem ator Alexandre Moreno, o doce Kennedy, sendo chingado de negro safado e outras ofensas pelo desprezível Raul Pelegrini, dolorosamente encarnado pelo Tarcísio Meira, mas vibrei quando o espezinhado empregadinho atingiu a ferida do arrogante patrão chamando-o de corno.

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