São Paulo, terça-feira, 15 de novembro de 1994
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Vicente Barreto cria o balanço sofisticado

LUÍS NASSIF
DO CONSELHO EDITORIAL

Vicente Barreto faz parte do reduzido time dos músicos que são sucesso de músico. Talvez seja na atualidade o mais desconhecido compositor de sucessos conhecidos. É parceiro dos principais sucessos de Alceu Valença ("Tropicana", "Poeira nos Olhos"). Tem sua mão o histórico disco de Tom Zé, de 1975, redescoberto recentemente pelo músico americano David Byrne.
No momento, tem mais de vinte parcerias inéditas com Paulo César Pinheiro, além de uma parceria histórica em uma das mais belas canções de Vinicius de Moraes ("Eterno Retorno") quando, com apenas 23 anos, o baiano de Serrinha foi descoberto pelo faro infalível do poeta –a quem, moço educado do interior que era, dispensava o tratamento de "seu" Vinicius.
Sua marca registrada é sua mão direita ao violão, enaltecida por Caetano Veloso e Gilberto Gil, responsável por um dos balanços mais originais da música brasileira. Com um polegar de tamanho considerável, a capacidade de fazer um baixo irrepreensível, sem notas supérfluas, sem estardalhaço, Barreto é uma espécie de Jackson do Pandeiro que nasceu ouvindo João Gilberto e foi batizado por Gilberto Gil. De Jackson ganhou o balanço, de João Gilberto a sofisticação do detalhe, de Gil a capacidade de sempre dar uma volta a mais na melodia.
Mesmo assim, o recém-lançado CD "Tempo Bom" (Warner Music) só foi possível graças a algumas concessões à música baiana jovem. De qualquer modo, o óbolo cobrado foi barato. Uma ou outra faixa com tempo de vida datado –como "Força da Raça", "Terreiro de Jesus" e "Amor de Verão" (os três com Luiz Carlos Bahia)–, cumprem sua função de garantir a venda. Assim como uma releitura balançadíssima de "Tropicana".
O prestígio é assegurado por outras faixas, que certamente entrarão em qualquer inventário competente que se fizer sobre o som desses tempos. "Pastel de Feira", uma extraordinária demonstração de capacidade rítmica de Barreto, de reproduzir no violão o ritmo resfolegante do fole, "O Gari" e "Beira do Infinito" fazem parte dessa relação, além de consagrar um grande letrista, Celso Viáfora, parceiro nas três.
É candidato certo a clássico o excepcional "Hein!", (Barreto-Tom Zé) –a música que Gilberto Gil gostaria de ter feito. O curioso em "Hein!" é uma introdução de Barreto ao violão, que nada tem a ver com a música. Mas tão bela, incorporando de maneira tão competente o espírito de Anibal Augusto Sardinha, o "Garoto", que merecia ter vida própria.
Entra na lista também o sensível "Raiz" (Barreto-Carlos Henri) onde o baiano de Serrinha incorpora o espírito das modas do centro-oeste, amparado pelos violões
flamengos do Duo Fel.

Disco: Ano Bom
Autor: Vicente Barreto
Lançamento: Warner
Preço: R$ 20 (em média)

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