São Paulo, quarta-feira, 16 de novembro de 1994
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Filantropia e universidade

LUIZ CARLOS MEREGE

Realizou-se, na primeira semana de outubro, em Guadalajara, México, o 2º Encontro Ibero-Americano de Filantropia, que reuniu fundações e entidades filantrópicas da Europa, Estados Unidos e América Latina. O encontro teve como finalidade última discutir políticas para o fortalecimento da filantropia na Ibero América. Como um dos expositores em duas mesas de trabalho, tive a oportunidade de expor e discutir idéias sobre o conceito de filantropia na América Latina e como ela pode ser objeto de preocupação acadêmica.
Para nós, brasileiros, e de certa forma para os latino-americanos, a palavra filantropia não tem o significado e respeito dado pelas sociedades norte-americana e européia. A palavra tem origem grega ("philantropia") e é formada pelas conjugações de "philos", que significa amor, e "anthropos", homem, ou seja, amor à humanidade.
Infelizmente, conforme relatado por participantes, a palavra esteve associada a escândalos na América Latina, principalmente à corrupção governamental, sendo vista com certo repúdio pela opinião pública. Entretanto, o amor à humanidade, traduzido em ações de cidadãos em prol de seus semelhantes, tornou-se um fenômeno que ganhou proporções significativas no continente.
A campanha do Betinho despertou a solidariedade humana brasileira como nunca tínhamos presenciado na história recente do país. E os brasileiros, de uma forma geral, preferem o termo solidariedade para expressar as ações sociais voluntárias das pessoas. Já para os mexicanos, a palavra solidariedade perdeu sua força, tendo em vista a duvidosa eficácia do programa social governamental mexicano, que utilizava tal palavra.
Não levando em consideração a polêmica que o termo pode gerar, chegou-se à conclusão de que a filantropia, como movimento, experimentou nas últimas décadas um desenvolvimento sem precedentes em nossa história. A ação comunitária se faz presente em todos os países da região, nas mais diversas atividades (saúde, educação, profissionalização, meio ambiente, ecologia etc.).
O trabalho é voluntário, em torno de instituições sem fins lucrativos e, geralmente, independente do governo. Por apresentar tais características, as atividades não podem ser consideradas como pertencentes ao setor privado e, muito menos, ao governamental. Elas passaram a constituir o chamado "terceiro setor".
Entretanto, esse imenso setor, que se constitui uma verdadeira revolução associativa em nosso continente, apresenta importantes demandas que necessitam ser atendidas. É nesse aspecto que a universidade tem um papel a cumprir.
Na mesa de trabalho que discutiu a "Filantropia e a Universidade", constatou-se que o tema tem uma fraca presença nas carreiras universitárias. Excluindo esforços isolados de estudiosos do assunto, pode-se verificar que na América Latina somente o México, através da Universidade Ibero-Americana, oferece um programa de cursos que permite que estudantes se profissionalizem para atender ao terceiro setor.
A recente decisão (setembro de 94) da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (Fundação Getúlio Vargas) de criar o Centro de Estudos do Terceiro Setor (reportagem nesta Folha em 09/10/94) mereceu elogios por parte de representantes da área acadêmica, por se tratar de uma iniciativa pioneira na América do Sul. O fato mereceu uma atenção maior por se tratar de uma escola de administração de empresas.
Com relação a esse aspecto, pode-se explicar que a Eaesp/FGV, por ser responsável pela formação de futuros dirigentes empresariais, terá também a missão de conscientizá-los que a empresa tende a assumir um papel social cada vez mais importante na sociedade. Através da reforma curricular que está em discussão, os alunos de administração pública terão a oportunidade de se formar como dirigentes de organizações não-lucrativas, pois a escola oferecerá uma área de especialização para suprir o terceiro setor com os profissionais de que necessita.
O encontro concluiu que caberá às universidades da América Latina:
1 - formar dirigentes de organizações não-lucrativas, tendo em vista a necessidade urgente de profissionalização de suas atividades;
2 - pesquisar, no que diz respeito ao tamanho do setor (número de pessoas), assim como mensurar o volume de recursos que movimenta;
3 - promover mudanças profundas na legislação para que o setor possa se desenvolver em sua plenitude;
4 - estudar as relações desse setor emergente com o Estado, de forma a definir melhor sua área de atuação;
5 - facilitar as relações entre doadores e organizações que necessitam de recursos;
6 - servir de elo de união entre as organizações não-lucrativas do continente, assim como facilitar que entidades com diferentes naturezas possam estabelecer vínculos entre si, como, por exemplo, nos casos das ONGs e das fundações privadas.
Finalmente, o encontro terminou com a comunicação do comitê permanente de que o próximo encontro se dará no Brasil, em meados de 1996. Esse fato demonstra a importância dada pelo comitê permanente ao papel que nosso país poderá desempenhar no fortalecimento das ações filantrópicas em nosso continente. E a universidade não poderá ficar alheia ao papel estratégico que desempenhará para que isto ocorra.

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