São Paulo, quarta-feira, 16 de novembro de 1994
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Rollins investe em carreira no cinema

MARISA ADÁN GIL
DA REVISTA DA FOLHA

Sentado no chão, uma camiseta encobrindo boa parte das tatuagens, olhar perdido, Henry Rollins parece até um garoto –desses que ouviram rock demais e viveram de menos.
A voz, grave e firme, desmente a impressão: Henry, 33, fala como o verdadeiro "agitador cultural" que é, capaz de carregar nas costas dezenas de projetos (entre livros, gravadoras, trilhas sonoras, vídeos e filmes), uma banda (a Rollins Band) e uma lenda (o Black Flag).
Suas últimas investidas: "Get in the Van", um livro sobre seus tempos no Black Flag (a banda que –diz a lenda– teria dado origem a toda a turma de Seattle) e um filme com Keanu Reeves e Ice-T ("Johnny Mnemonic", baseado em conto "cyberpunk" de William Gibson, com direção de Robert Longo).
A notória obsessão de Rollins chegou ao cinema. "Quero o mesmo tipo de papel que Gary Oldman consegue", disse ele em entrevista exclusiva concedida à Folha na semana passada, durante sua passagem por São Paulo com a Rollins Band. Drácula que se cuide.

Folha - Como vai a sua carreira cinematográfica?
Henry Rollins - Acabei agora um filme com Keanu Reeves, Dolph Lundgren e Ice-T. Sou um dos mocinhos. Eu salvo Keanu, mas, na sequência, sou morto por Lundgren. Aí chega o Ice-T e salva a pátria. No momento, estou fazendo testes para novos papéis.
Folha - Que tipo de papel te interessa?
Rollins - Quero o mesmo tipo de papel que o Gary Oldman consegue. Ele é o cara mais intenso que vi no cinema em muitos anos. Respeito alguém capaz de ser tão extremo em frente a uma câmera.
Tenho conversado bastante com Oliver Stone. Vou fazer um teste para seu próximo filme. Eu gosto muito dele. É um cara durão, muito honesto.
Folha - Como é atuar para você?
Rollins - É muito fácil, natural. Tem a ver com honestidade, porque você se baseia em emoções reais. Mas não tem a espontaneidade do palco. É outro desafio.
Folha - Você deixaria a música pelo cinema?
Rollins - Não penso nisso. Faço testes há cinco anos e até agora só consegui trabalhar em dois filmes –o outro foi "The Chase", com Charlie Sheen. O que mais gosto no cinema é que, no final do dia, termina. Você não tem que falar com ninguém. Odeio autógrafos. Não gosto de nenhum aspecto da fama, é repulsivo.
Folha - Por que lançar um livro sobre o Black Flag?
Rollins - Porque é uma boa história. E verdadeira. E ninguém mais ia fazer. Na verdade, ele já estava escrito. São os meus diários de 83 a 86, mais algumas coisas que acrescentei. Ficou "cool".
Folha - Você sente orgulho quando alguém se diz influenciado pela banda?
Rollins - Não. Vem um multimilionário e me diz: 'Cara, você me influenciou muito, obrigado!' O que eu devia fazer, dirigir a limusine dele?
Folha - E o pessoal de Seattle?
Rollins - É difícil falar disso sem parecer arrogante: 'Veja, fui eu que inventei esses caras'. Tenho certeza de que todos eles ouviram o Black Flag –e uma tonelada de outras bandas.
Folha - O que você acha do seu atual status de "agitador cultural" nos EUA?
Rollins - Não significa nada. A mídia tem poder demais. O que eles estão fazendo com o caso O.J. Simpson é simplesmente repugnante. A MTV é a maior fábrica de música dos EUA e só toca merda. Pavement? Meu Deus! Eles ensaiaram tanto para fazer isso?
Como todos os grandes caras já estão mortos, as pessoas ficam ouvindo Green Day, Breeders... Tive sorte, sou um pouco mais velho e pude ser arrebatado por um show do Led Zeppelin. Hoje, existem pessoas que se entregam na sua música. Nick Cave, Tom Waits. Mas nada tem mais aquela força.
Folha - Por quê? O que aconteceu com a música?
Rollins - É uma questão matemática. As combinações acabaram. Gente como Elvis e James Brown fizeram tudo. Hoje, você tem híbridos, rap misturado com jazz. Mas não é realmente novo. A música está cansada.
Folha - Mas você não está.
Rollins - É, mas esse sou eu... Eu quero agarrar tudo. Se é para fazer música, trabalhe muito. Se é para casar, ame sua mulher ou seu cara. Sou exagerado mesmo e por uma boa razão: é o único jeito de me sentir real. A vida é muito chata, sabia? Você come, dorme, trabalha, ganha dinheiro, come mais... Nesse meio tempo, as pessoas matam umas as outras. É uma coisa bem estúpida, a vida. A única coisa que a torna interessante é a arte.

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