São Paulo, quarta-feira, 16 de novembro de 1994
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'Branca de Neve' volta com o esplendor original

SERGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Não é uma cópia qualquer de "Branca de Neve e os Sete Anões" que está chegando às locadoras de todo o mundo amanhã, mas a versão mais próxima da original, com todo o esplendor do seu tricromático technicolor remasterizado e, de quebra, um "making of" do filme. Neste, entre outras curiosidades, uma sequência excluída na montagem final, com os anões aprendendo a tomar sopa com um mínimo de polidez. Era engraçada, inventiva, deu na certa muito trabalho, mas Walt Disney decidiu cortá-la. "Não é vital para o andamento da história", justificou-se.
Igual destino teve outra sequência, só conhecida sob a forma de "pencil-test" (animações a lápis sem finalizações), na qual os anões constroem uma cama especialmente para Branca de Neve. Também acabou sobrando a cena de abertura, mostrando o último suspiro da mãe de Branca de Neve, que morreu de parto.
Esta e outras, contudo, chegaram aos livros e quadrinhos antecipadamente produzidos para o lançamento do filme, 57 anos atrás. Disney não se abalou com o vazamento. "É bom que as crianças entrem no cinema conhecendo outros aspectos da vida dos personagens", disse a um chefão da RKO.
Certos aspectos, considerados desagradáveis, foram liminarmente evitados. No conto original, escrito pelos irmãos Grimm há quase 200 anos, Branca de Neve se salvava vomitando a maçã fatídica. Disney preferiu livrá-la da morte pelo método Bela Adormecida. Excreções, nem pensar. O universo de Disney sempre foi o mais "clean" possível. E também o mais pudico. Basta lembrar que os anões tomam banho vestidos da cabeça aos pés, como meninas de algum internato religioso.
Nada de sexo, nada de escatologia. Terror, tudo bem. O que mais chama atenção em "Branca de Neve" -e, de resto, em quase todos os grandes desenhos de Disney, sobretudo em "Bambi", "Pinóquio" e "Dumbo"- é o seu clima terrorífico. Mais que animados, os desenhos de Disney eram traumáticos, ou melhor, traumatizantes. Nas minhas lembranças mais remotas de "Branca de Neve" misturam-se, indissociados, encantamento e pavor.
O tempo e o progresso das técnicas de animação nem sequer de raspão atingiram a superlativa arte desse que foi o primeiro longa de Disney e o "turning point" de sua carreira. A perseguição na floresta, a metamorfose da rainha e a limpeza da casa dos anões são cenas que nenhuma tecnologia conseguiria aprimorar. E o mesmo se diga do uso das sombras e dos efeitos utilizados com a água e a chuva.
Exemplar mutirão criativo, "Branca de Neve" fez "tábula rasa" da animação vigente nos anos 30. Para alcançar a eficácia naturalista exigida por Disney, seus desenhistas tiveram de começar do zero e retomar aulas de anatomia, estudando movimentos do corpo humano através de filmes especialmente confeccionados com modelos de carne e osso. Marjorie Belcher, mulher do animador Art Babbitt, serviu de modelo para Branca de Neve.
Não foi só na obra subsequente de Disney que "Branca de Neve" -acima de tudo, vale notar, um musical- deixou marcas indeléveis. Cineastas como Orson Welles e John Ford também foram influenciados por algumas de suas imagens mais poderosas. A apresentação, algo expressionista, do castelo da rainha prefigura a do castelo de "Cidadão Kane". O umbroso clímax da cena em que Branca Neve é atacada pelo sicário da rainha traz de imediato à memória o rapto da sobrinha de John Wayne em "Rastros de Ódio".

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