São Paulo, quarta-feira, 16 de novembro de 1994
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Câmbio e crescimento

ANTONIO DELFIM NETTO

Os técnicos do governo têm afirmado que havia uma sobrevalorização do dólar frente ao velho cruzeiro real e a prova disso seria a acumulação de US$ 40 bilhões de reservas em 30 meses.
É certo que o superávit comercial é importante (US$ 39 bilhões no período 1991-93). Mas o saldo em conta corrente (isto é, depois de descontados os pagamentos de todos os serviços) é muito menor (US$ 4 bilhões no período 1991-93). E se houver saldo positivo foi por que as transferências unilaterais no mesmo período (dos trabalhadores brasileiros no exterior) somaram US$ 5,5 bilhões!
Obviamente tanto uma parte dos serviços como as transferências unilaterais são relativamente independentes da taxa de câmbio real. Mas ela, juntamente com o sistema tarifário, com as disponibilidades de fatores internos e com os níveis de renda no país e no exterior, determina o saldo comercial.
Mas, então, como e por que se acumulou tanta reserva? Apenas porque o Brasil pagou as mais fantásticas taxas de juros que o mundo já viu, que cobriam muitas vezes o "risco Brasil". É claro que o movimento era ainda mais seguro com a política anterior de corrigir o câmbio nominal pela inflação interna.
Todos sabem que a política de tentar fixar a taxa de câmbio real ou a taxa de juro real (e às vezes as duas ao mesmo tempo!) estava destinada ao fracasso, porque acabava tornando indeterminado o nível de preços.
A reforma monetária foi feita para que o Banco Central reganhasse sua capacidade de fixar a oferta nominal de moeda. O mercado fixaria a taxa de juro real e a taxa de câmbio real. Com liberdade de movimento de capitais, a taxa de juro interna, depois que os investidores ajustassem as suas carteiras, seria a externa somado ao "risco Brasil". E a taxa de câmbio real seria a que equilibra, no longo prazo, o balanço em conta corrente.
A sobrevalorização do real se deve ao fato de que a taxa de juro interna continua muito alta relativamente ao exterior. E o valor de nossos ativos muito baixo. A exportação pode sobreviver ainda algum tempo graças aos aumentos dos preços externos produzido pela recuperação da economia mundial, mas não se deve esquecer que o volume físico das exportações não tem crescido.
Há sérios riscos (evidenciados na teoria e na experiência) de que uma sobrevalorização prolongada produza danos não apenas ao nível de atividade exportadora, mas comprometa o próprio desenvolvimento.
Numa economia de mercado, o crescimento não é fruto da imaginação dos burocratas, mas do investimento feito pelas empresas que procuram lucros. Ele não acontece a menos que elas sejam rentáveis e invistam as suas poupanças. Quando elas são espremidas por uma taxa de câmbio sobrevalorizada, por uma taxa de juros real absurda e por um salário real inadequado, o caminho é o do desinvestimento.
Seria uma pena que isso acontecesse no mesmo momento em que pela primeira vez, em muitos anos, o governo, com a criação do programa de "taxas de juros de longo prazo" (TJLP).
O programa tem muita coisa duvidosa (origem dos recursos, inversão da estrutura temporal da taxa de juro), mas de qualquer forma é a primeira vez que o governo reconhece a existência dos produtores de "parafusos", o que já é alguma coisa!

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