São Paulo, quarta-feira, 16 de novembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Rio, mostra tua cara

HERBERT DE SOUZA

O Rio de Janeiro está em evidência: violência, corrupção eleitoral e geral, crime organizado, assassinato de crianças e adolescentes, falência do governo, medo generalizado na população, fome e de seus bairros pobres e favelas.
É um quadro extremo de crise e decadência, em que parece só faltar alguém para apagar as luzes e fechar a porta. E chegam as Forças Armadas, nessa intervenção meio mineira, meio carioca. O governador já não manda na polícia, mas continua governador. Só aqui.
A rigor, não há nada de novo. O Rio sempre teve tudo isso e muito mais. Em 1982, o famoso caso Proconsult quase levou a eleição de Brizola de roldão. Piorou a violência, piorou a polícia, piorou muita coisa ou quase tudo? Tudo indica que sim.
Mas uma coisa mudou e é fundamental: a cidade não tolera mais, não aceita o que acontece, protesta, grita, mobiliza-se, mostra a sua cara, mas também seus dentes.
O Rio foi a cidade que nos últimos dez anos mais se mobilizou de forma nova e criativa: na falência da cidade, criou o "Se Liga Rio", o "Riomania", o "Terra e Democracia", e agora esse movimento que assume a cidade, o "Viva Rio" e vários filhotes reunindo famílias, jovens, gente que reage. Sempre apelando à cidadania, à participação.
O Rio cansou de esperar as soluções do Estado, está construindo seu próprio caminho. Mas exige mudança das práticas governamentais, quer moralidade, renovação de seus quadros políticos e administrativos.
O que acontece no Rio agora poderá vir a beneficiar o país amanhã, como por exemplo a anulação das eleições para o Congresso. Se tivermos a informatização total das eleições em 1996, isso será um presente do Rio para o país.
O Rio estabeleceu na prática o debate sobre um tema, tabu em nossa sociedade: o tráfico dr drogas, o uso das drogas, os métodos de combate e de prevenção. Vai começar aqui, mas vai tomar conta de todo o país que consome drogas e alimenta a formação de gangues e a corrupção da polícia.
Esse é um problema que precisa de sol e não de sombra, de debate e não de silêncio, de idéias e valores e não de AR-15 e guerra.
O Rio vai mostrar ainda este ano e no próximo que vai planejar seu crescimento através de um plano participativo organizado por 280 cidadãos e cidadãs. Vai propor um encontro entre desenvolvimento e meio ambiente, entre seriedade e prazer. Sim, porque disso o carioca não abre mão.
O Rio só espera melhor sorte nas próximas eleições e vai se mover nessa direção: queremos dos partidos os melhores nomes e não aqueles que chegam primeiro na luta por espaços de poder.
O Rio anda meio cansado de seu mundo político-partidário e do baixo nível de muitos de seus candidatos.
Rio, o pedaço do Brasil que mostra a sua cara e que vai ajudar o Brasil a se reconstruir de baixo para cima, da cidade para o Estado, do Estado para o federal.
Um belo pedaço do planeta Terra, do Brasil. Um belo exercício da cidadania. O Rio do mundo da cultura resiste e sustenta o milagre da vida em meio ao desastre. Aqui e daqui nós apelamos à cultura e ela responde, ela é o Rio. Somos nós.

Texto Anterior: O Rio contra o crime
Próximo Texto: Atenções ao Rio; Movimento estudantil; Biografia de Covas; Inteligência e valores; Desperdício na saúde; Reverendo Jaime Wright; Receita inflacionária; "A Rua da Armagura"; Racismo explícito
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.